1. Introdução

A possibilidade de inovar está sempre presente se alguém estiver disposto a refletir, a deixar ir a certeza de onde está e se perguntar se ele quer estar onde está. (MATURANA)

Estamos vivendo um “novo normal”, onde incertezas pairam em nossas vidas diariamente, e a Educação se encontra numa posição em que muitos professores não pensariam estar, na Era tecnológica e imagética, com plataformas digitais, Google Classroom, Facebook, Youtube, TikTok, Drive, formulários digitais, entre outros, esses que estão dando as cartas no cenário chamado escola. Em 2020 no mês de março, quando as escolas fecharam suas portas e não sabíamos o que fazer e como fazer, como trabalharíamos? Como seriam os procedimentos? Que tipo de aulas enviar? Que plataformas usar? Fomos nos adaptando a essa nova configuração de Educação, um formato de aula a distância, em todos os segmentos da Educação básica, antes uma utopia, agora uma realidade.

 A escola tem como referencial ser a detentora do conhecimento produzido pela humanidade, e no entender de Kenski 

 “A escola representa na sociedade moderna o espaço de formação não apenas das gerações jovens, mas de todas as pessoas. Em um momento caracterizado por mudanças velozes, as pessoas procuram na educação escolar a garantia de formação que lhes possibilite o domínio de conhecimentos e melhor qualidade de vida”. (KENSKI, 2012, p. 19).

Diante dessa escrita, a autora traduz o quanto a escola contribui para a garantia da formação de todos, onde ela tem a demanda e a responsabilidade pela aprendizagem dos segmentos da educação básica e na formação do ser humano. 

Como educadores temos que priorizar uma educação de qualidade e transformadora, que não seja somente uma repassadora de informações, mas de conhecimento, porque uma escola conteudista1, baseada numa educação bancária2, onde se vê quantidade e pouco prioriza a qualidade, o aluno pouco evolui. O estudante necessita receber conteúdo, participar das discussões, acrescentar, fomentar debates, contribuir, porque todas as ações educacionais de um ambiente escolar são formas de demonstrar seu cotidiano, no momento, durante essa pandemia.

Passamos a observar que nos primeiros meses da pandemia em 2020 as produções de vídeos estavam gerando “frisson” nos alunos. Estes faziam vídeos de desafios, de culinária, mostrando suas casas, suas plantas, todos como ferramenta de colaboração e construção do conhecimento. Ou seja, nesse momento do “novo normal” a escola/casa estava colaborando como apoio ao currículo escolar, e como atividades complementares de conteúdos revistos.

Precisamos de uma escola que oportunize a realidade digital que vivem nossos alunos, esses nativos digitais3, estabelecendo pontes entre o conhecimento a priori e as Tecnologias da Informação e do Conhecimento (TIC), firmando potencialidades nessa parceria, tecnologia e saber. Reforço com Kenski que: “As mudanças contemporâneas advindas do uso das redes transformaram as relações com o saber” (KENSKI, 2012).

Durante esses discursos, refletir no processo das práticas interdisciplinares4, que interajam e integralizam os conteúdos de outras disciplinas, perpassando conhecimentos que envolvam o diálogo entre os sujeitos e as ações, estabelecendo uma interação coesa e diversificada, calcada na criatividade dos estudantes, e nada como os vídeos para que possamos fazer esse elo entre a pedagogia e a leitura do mundo do aluno. 

2. O aluno como protagonista, roteirista e diretor

Esse relato tem como premissa o desenvolvimento de uma experiência que estamos realizando antes da pesquisa de dissertação para o mestrado de Educação Matemática – UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), uma preparação para os alunos dos 4º e 5º anos de duas escolas municipais de Pelotas, um ensaio. Pretendemos na dissertação pesquisar a influência das  produções de vídeo estudantis no ensino-aprendizagem na matemática, onde os educandos e educadores farão uma articulação do saber com vídeos. Segundo Pereira e Dal Pont (2017), a produção de vídeo contribui no processo educacional permitindo que o aluno seja protagonista do seu conhecimento. 

A escolha das turmas foi motivada pela pesquisa e pelo fato de sermos professoras dessas turmas. Começamos incentivando os alunos a fazerem vídeos para as chamadinhas das “Lives” com as turmas pelo Meet, na qual eles roteirizam, produzem e editam suas próprias produções, alguns com ajuda de familiares, enquanto outros chegaram a surpreender seus pais com a complexidade na edição de seus próprios trabalhos. Todas produções com a duração de 10 a 60 minutos, chamando os colegas para as “Lives” nas sextas-feiras às 14 horas das turmas. Fotos abaixo dos vídeos das chamadinhas, todas autorizadas pelos responsáveis: 

Imagens autorizadas pelos responsáveis.

Os alunos mostraram entusiasmo a cada vídeo feito e foram mobilizando outros colegas para os futuros vídeos. Essa experiência mostra o quanto os estudantes podem ser articuladores do seu conhecimento, desenvolvendo potencialidades, projetando suas ideias criativas, um conteúdo à parte, um currículo oculto5 da escola, protagonizando sua história, na vida escolar, colocando atitudes socioemocionais da sua vida diária, tornando sua educação repleta de descobertas, aventuras, pesquisas, reinventando suas aprendizagens de forma prazerosa e significativa. Diante desse ideário, o aluno se torna o construtor de seu conhecimento, formando-se amplamente.

Passamos nos momentos das “Lives” a discutir sobre os vídeos, mostrar as produções, incentivá-los a fazer outros trabalhos, para enfim começar a pesquisa tão almejada. Eles no momento estão fazendo vídeos de leituras de livros de histórias, gibis, mostrando o seu bairro, gincanas do dia das mães, brincadeiras que fazem em casa com seus irmãos e familiares. Estão se adaptando a essa pandemia num processo de compartilhamento de ideias, trocas, criatividades, diante do artefato tecnológico que dispõem, o celular. Alguns estão fazendo investimentos em tripés para filmagens e baixando outros recursos em seus aparelhos digitais para edição, tudo em prol dessa nova forma de ver a escola, que, nesse período, se faz em casa, dentro de seus lares, chamada de escola/casa.

3. O olhar como expectador

Com o nosso olhar como espectadores, nós professores, nessa seção, colocamos a refletir sobre os caminhos percorridos ao longo deste relato, as ferramentas e as metodologias utilizadas, bem como a forma como elas foram sendo organizadas e estruturadas no contexto escola/casa. A desconstrução de conceitos e teorias do campo educacional mantiveram-se por um tempo estagnadas, porém com a peste do Covid-19, ganhou-se novos olhares na educação,  que contribuíram para os resultados desse trabalho, como a entrada das TICs nas escolas, antes utilizadas pelo marketing, agora por toda a educação em geral. Como informa Pereira e Neves (2014), na produção de vídeo estudantil, o mais importante para o processo educacional não é o vídeo realizado, mas o processo, o que o aluno aprendeu durante a produção que realizou. 

É preciso, porém, pensar em todas as esferas, sejam elas sociais, econômicas ou culturais que estão sendo atingidas com a nova modalidade de ensino que veio com a chegada da pandemia do coronavírus. Não basta ter acesso à internet, é necessário que tenha acesso a uma boa conexão para que se possa baixar as vídeo aulas ou conseguir assisti-las em tempo real, não adianta ter internet, mas um celular que não abra ou não baixe as plataformas que estão sendo utilizadas. Também, por sua vez, não adianta ter uma boa conexão e aparelhos eletrônicos acessíveis às plataformas se não souber utilizá-las. Segundo MORAN (2003, p. 41) “Com a educação online os papéis do professor se multiplicam, diferenciam-se e complementam-se, exigindo uma grande capacidade de adaptação e criatividade diante de novas situações, propostas, atividades”. Assim mostrou-se que nessa pandemia, o professor está provando sua capacidade de transformar-se, adaptar-se em meio aos muitos desafios que surgem na educação, e a pandemia do Covid-19 está sendo um grande estímulo para a inclusão de novas tecnologias e outras metodologias ativas na educação. 

Diante dessa peste, como um bom referencial para o professor observar sua rotina e se reinventar, utilizando os vídeos, o professor analisa sua prática, refaz seu roteiro de vida escolar. Prepara-se para um pós pandemia, mais fortalecido nos seus ideais, agora com um novo referencial que se baseia na observação de si mesmo diante das câmeras, algo que ele não tem o privilégio na sala de aula, agora tem o espelho que precisa para se ver e refazer o que acredita que deva mudar na sua trajetória como educador. 

Segundo PEREIRA (2012) a produção de vídeo é uma ferramenta pedagógica e o professor deve saber utilizá-la. Na sala de aula, é necessário que os educadores saibam usar e explorar esses recursos, para que os alunos consigam assimilar da melhor maneira possível o ensino, sendo assim o educador um facilitador no processo de ensino-aprendizagem.

4. Studio/casa, onde estou?

Usamos uma metodologia de incentivo, para os alunos fazerem os vídeos, primeiro com as chamadinhas para as “Lives” da turma semanalmente, deixando-os à vontade para os próximos pedidos que seriam os vídeos, produções dos conteúdos trabalhados nos, 4º e 5ºs anos, nas atividades remotas semanais, tornando assim as aulas mais interativas e didáticas, instigando cada vez mais a curiosidade e a criatividade dos alunos. As casas passaram a ser um prolongamento da escola, agora fechadas pelo advento da pandemia, mas renascidas nas casas de todos os estudantes, as chamadas escola/casa, lugar que dominamos, tanto alunos como professores, nosso lar, nosso ambiente de trabalho e estudo.

Nossos lares passaram a ser expostos em todas as “Lives”, vídeos e qualquer produção audiovisual feita. Fomos utilizando a fotografia6 de nossa casa, quarto, sala, cozinha, varanda, onde nos sentimos mais confiantes, montamos nosso estúdio, escola/casa, fazendo cinema onde nos traz confiança e força para continuar, nosso lar.

Assistir vídeos mesmo em “Lives” (como espectador) é uma forma de aprendizagem bastante desafiadora, motivadora, mas a sua prática bem aplicada abre grandes expectativas para a arte no ensinar. Para isso, é de grande valia, que o educador deva sempre acrescentar vídeos dinâmicos, atrativos, atuais, buscando sempre o interesse e a curiosidade do educando, observando seu lado afetivo e emocional.  Esses vídeos curtos permitem que o aluno não disperse a sua atenção e consequentemente a ação docente deve estar aliada ao debate do que é visto e dos processos mentais adquiridos pelo mesmo. Para PEREIRA e DAL PONT (2017) fazer vídeo contribui para o processo de memória de longo prazo, pois fazer vídeo gera emoção e esta emoção é a que contribui para fixação de memória como defende Cosenza  e Guerra (2011):

Por tudo isso, as emoções precisam ser consideradas nos processos educacionais. Logo, é importante que o ambiente escolar seja planejado de forma a mobilizar as emoções positivas (entusiasmo, curiosidade, envolvimento, desafio), enquanto as negativas (ansiedade, apatia, medo, frustração) devem ser evitadas para que não perturbem a aprendizagem. (COSENZA, 2011, p.84)

Assim, o autor confirma nosso ideário que esses processos educacionais firmados em um ambiente que nos traga confiança e emoções positivas, como nosso lar, demonstram o quanto, perante esse desafio, as aulas remotas com vídeos reforçam e oportunizam uma melhor aprendizagem e mobilização dos professores. Assim sendo, a escola/casa nesse momento da pandemia, com certeza deixará saudades, ou quiçá o novo que virá, com produções em nossa casa, na comunidade, nos bairros, escola, mobilizando mais pessoas, uma utopia que pode se tornar realidade.

5. Considerações finais

Ressaltamos que os professores dos anos iniciais no contexto pedagógico se utilizam das vídeo-produções em suas aulas futuras, juntamente com educadores de outras disciplinas especializadas, artes, música, educação física, entre outras, para tornarem as aulas multidisciplinares. A produção de vídeo não vale pelo produto final, ou pelo que tecnicamente o aluno aprende, mas por todas as concepções mentais que o aluno passa do início do processo até a etapa final, como defende PEREIRA E NEVES (2014). Reafirmando Pereira e Neves, o importante é o processo do aluno para chegar no produto final, esse sim valerá cada momento traçado por ele. Nesse período se vê conhecimento e maturidade durante a vídeo produção. Sigamos nessa descoberta, porque dela sairão frutos para mudança da educação no todo, almejando um futuro onde as TICs estarão cada vez mais presentes. 

Em suma, no pós pandemia poder-se-ia se pensar em incluir o cinema nas aulas, começar um movimento no município em que trabalhamos, se a universidade dispor de cursos de formação de professores, para incluir essa disciplina seria algo extraordinário, as artes em cena, uma metodologia ativa, onde o aluno constrói sua aprendizagem e também o seu futuro. 

6. Referências bibliográficas

COSENZA, R. M. e GUERRA, L. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 

KENSKI, Vani. Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 8 ed. Campinas, SP: Papirus, 2011.

MORAN, J. M. Contribuições para uma pedagogia da educação online. In: SILVA, M. (Org.). Educação online: teorias, práticas, legislação, formação corporativa. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 39-50.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 35 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. (Coleção Leitura)

PEREIRA, Josias. DALPONT, Vânia. Como fazer vídeo estudantil na prática da sala de aula. Pelotas, RS: Erd filmes, 2017.

PEREIRA, J. NEVES, G. (Org.). Produção de vídeo nas escolas: uma visão Brasil – Itália – Espanha – Equador. 1. ed. Pelotas: Erd Filmes, 2014. 110p.

7. Notas

  1. Ensino conteudista é um termo utilizado para se referir a uma tradição de ensino que prioriza a transmissão de conteúdos por parte do professor, enquanto a metodologia de ensino e aprendizagem e o aluno são deixados em segundo plano. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ensinoconteudista. Acesso em: 27/04/2021. ↩︎
  2. Para Freire, o termo “bancário” significa que o professor vê o aluno como um banco, no qual deposita o conhecimento. Na prática, quer dizer que o aluno é como um cofre vazio em que o professor acrescenta fórmulas, letras e conhecimento científico até “enriquecer” o aluno. – Veja mais em https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/12/01/o-que-sao-a-educacao-bancaria-e-a-libertadora-formuladas-por-p-freire.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 13/05/2021. ↩︎
  3. Nativos digitais são as pessoas que reúnem duas características: nasceram a partir de 1980 e cresceram familiarizadas com a tecnologia, que entrou nos lares de todo o mundo no final daquela década para não mais sair. https://www.google.com/search?q=nativos+digitais rlz=1C1GCEA_enBR876BR876&oq=nativos+digitaIS &aqs=chrome.1.69i57j0i13l9.25615j1j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 Acesso em: 16/05/2021.  ↩︎
  4. A interdisciplinaridade é a integração de dois ou mais componentes curriculares na construção do conhecimento. O referido termo é um neologismo, que ainda não possui um sentido único e estável. No entanto, está cada vez mais presente nos documentos oficiais e no vocabulário de professoras, professores e administradores escolares. https://editoraverde.org/gvaa.com.br/revista/index.php/REBES/article/view/2057 Acesso em: 13/05/2021. ↩︎
  5. Currículo oculto: Há ensinamentos e aprendizagens que acontecem de forma implícita, ou seja, nas entrelinhas das relações que se estabelecem no ambiente escolar. REAe – Revista de Estudos Aplicados em Educação, v. 3, n. 6, jul./dez. 2018. file:///C:/Users/gisel/Downloads/5341-Texto%20do%20Artigo-17968-1-10-20190110.pdfAcesso: 13/05/2021. ↩︎
  6. O que é fotografia – cinematografia? A fotografia no cinema ou cinematografia é o elemento que diz respeito à captação das imagens, por meio de filmagens em película ou utilizando câmeras digitais. Ou seja, ela abrange tudo o que se relaciona à “impressão” daquilo que será visto pelo espectador, posteriormente. https://www.google.com/search?q=fotografia+no+cimena&rlz=1C1GCEA_enBR876BR876&oq=fotografia+no+cimena&aqs=chrome..69i57j0i13j0i5i13i30l6.5130j0j7 Acesso em: 16/05/2021. ↩︎

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