Ações para incentivar professores a realizar vídeos com seus alunos

1. Introdução

O cinema surgiu em 1895 com a exibição pública feita pelos irmãos Lumiére, com “fitas” de cenas reais, como pessoas saindo de uma fábrica ou um trem passando. Essa ação de fotos em movimento criando a ilusão do objeto se movendo criou no espectador, no início, uma sensação de medo. Na primeira exibição pública existem relatos de pessoas se escondendo ou fugindo com medo do trem passar por elas.  Aos poucos, os espectadores foram aprendendo e se familiarizando com essa ação. Devemos ter em mente que essas ações foram o modo que a população foi se adaptando a essa nova tecnologia por não ser uma ação familiar e precisou de um tempo para que eles compreendessem essa ação.  

No dia 28 de dezembro de 1895, dentro da primeira sala de cinema – que ainda existe –, chamada Eden, foi exibido o primeiro filme de todos os tempos, Arrivée d’un train en gare à La Ciotat (Chegada de um trem à estação da Ciotat). Em pouco menos de 60 segundos, a primeira plateia acompanhou a chegada de um trem à estação e viu alguns passageiros desembarcarem. Eles tinham tanta noção do que estava ocorrendo que várias pessoas simplesmente fugiram desesperadas para o fundo da sala com medo de serem atropeladas. Mais: as pessoas que foram filmadas não perderam tempo acenando para a câmera e nem desviaram o rosto a fim de manterem a privacidade. Ninguém sabia o que era aquilo e a imortal cena é perfeitamente natural. Em menos de sessenta segundos estava vista e encaminhada a revolução que criaria a sétima arte1. (Sul 21, 2013) 

Porém o anacronismo2 histórico também se faz presente na historiografia do cinema, pois, em 1888, Le Prince filmou imagens em movimento na sua casa, “Roundhay Garden Scene” (Figura 1). No entanto, essa gravação não foi exibida publicamente.

Figura 1: Frames do filme de Louis Le Prince, 1888. 

Le Prince, segundo Kelly (2002), após a sua invenção, foi apresentar a máquina (Figura 2) e a patentear nos Estados Unidos. porém, inexplicavelmente, Le Prince sumiu antes de apresentar sua câmera MK1.

Figura 2: Réplica da Câmera feita por Louis de Prince.

Muito se debateu sobre o sumiço de Le Prince ter sido em função do roubo da câmera para o seu posterior lançamento. Teorias da conspiração à parte, o que nos importa neste momento é que o cinema chamava atenção de pessoas em todo o mundo, com os filmes realistas dos irmãos Lumiére. Os irmãos que não acreditavam no futuro desta técnica chamada cinema, mas ajudaram em sua divulgação popular e científica. Porém, foi com o francês George Mélies, que era diretor de teatro ilusionista com truques de maquinários, que o cinema ganhou expressão e características de arte. Melies foi um dos convidados para o espetáculo da exibição pública do cinema pelos irmãos Lumiére. Ele ficou fascinado com os filmes apresentados e desejou comprar uma câmera dos irmãos Lumiére, que se recusaram a vender. Porém Melies não desistiu do seu sonho e conseguiu uma câmera com o inglês Robert William Paul, em 1896.

Várias lendas são narradas, mas a mais usual é que Melies gravava algumas imagens na rua quando sua câmera parou de funcionar passando, logo em seguida, a funcionar novamente. Como Melies estava filmando a rua, quando a câmera parou, o objeto à sua frente manteve o movimento sem a câmera capturar. Quando Melies assistiu ao material no estúdio, percebeu que as pessoas que estavam andando na rua, sumiram. Assim iniciou uns testes e percebeu que poderia usar a câmera para fazer o seu ilusionismo de forma mais fácil, criando assim o stop action. Assim surgem os filmes como “A Tentação de Santo António” (1898); Le diable Noir (1905) e Viagem à Lua (1902) e outros tantos, totalizando mais de 500 filmes. 

E a educação não ficou de fora de conhecer o que era aquela tecnologia. 

… leva para a sala de aula situações representativas de sentimentos, medos, conflitos próprios da adolescência, estimula a liberdade de expressão, além de promover a reflexão sobre valores e posturas individuais, criando espaço para troca de ideias sobre as consequências atreladas a diferentes escolhas pessoais. (CRUZ; LOHR, 2008, p. 04)

A primeira experiência educacional muito debatida foi a experiência do cirurgião e professor  Eugene- Louis Doyen que, em 1898, teve a ideia de usar essa nova tecnologia como processo educacional e realizou uma cirurgia, filmando a mesma, de forma a exibir a técnica a outras pessoas posteriormente. Dr Eugene estava realizando a separação de duas irmãs siamesas e a ideia era  utilizar o filme para apresentar a seus alunos questões de cirurgia.

No hospital Saint Michel de Paris, todas as quintas-feiras, à tarde, são projetados filmes cirúrgicos com ensino visual e auditivo para os acadêmicos. O mesmo se faz no hospital de São Luiz, sendo que neste há as lições dadas pelo microfone com alto falante. E ainda mais, vários desses filmes são em côres, o que aumenta o interesse e o valor da exibição. (SANTOS, 2010, p.70)

Assim, o cinema e a educação iniciam uma aproximação. No Brasil, Roquette Pinto iniciou a projeção de filmes para estudantes dentro do museu nacional criando, em 1908, a filmoteca. Este seria um espaço para professores levarem seus alunos para exibir filmes de cunho educacional. Depois de vários debates sobre o uso da tecnologia na educação passando pela criação do rádio no Brasil e sua relação com o movimento dos pioneiros da Escola Nova, movimento que ocorreu em 1932 querendo atualizar a educação brasileira, Roquette-Pinto, em 1936, ajuda a criar o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). 

O INCE, que tinha como prioridade exibir vídeo em espaços escolares, poderia ser entendido hoje como o primeiro cineclube brasileiro. 

2. O que é um cineclube? 

Segundo a tese de Costa (2015), historicamente o movimento cineclubista surge na década de 70 e seu debate se concentrava em questões sociais, políticas e culturais, pois buscava opor as censuras e perseguições do momento histórico brasileiro. Com a redemocratização, o movimento ganha outros objetivos dentro do novo contexto histórico. O cineclube configura-se como um espaço plural de debate que responde às inquietações, as percepções e também a troca da experiência fílmica entre os espectadores. Sua dinâmica inclui, além da proposta e da exibição de filmes, um debate realizado posteriormente à exibição do filme. Já que, como signo sincrético3, o filme apresenta diversas possibilidades de interpretação. O debate com os que assistiram serviria para essa ação de discutir quais as perspectivas e percepções de cada um diante do visto. Vale aqui ressaltar que, na década de 1970, estavam em vigor debates sobre o livro lançado em 1968 intitulado “Pedagogia do Oprimido” do exilado Paulo Freire. Nesta época Augusto Boal criou o Teatro do Oprimido, ao perceber que o teatro deveria ser um espaço de diálogo e não de monólogo que apenas apresenta os conceitos para a plateia. O principal debate do Teatro do Oprimido seria justamente a conscientização social da comunidade pela arte teatral. O cinema novo criado no Brasil na década de 1960 em conjunto com os debates do Centro Popular de Cultura (CPC) tem sua origem em debates do cineclubismo da década de 1950. O filme cinco vezes Favela (1962) já aponta a tendência do cinema debater as questões sociais do país. Um dos ícones desta época era o diretor Glauber Rocha:

A América Latina permanece colônia e o que diferencia o colonialismo de ontem do atual é apenas a forma mais aprimorada do colonizador e além dos colonizadores de fato, as formas sutis daqueles que também sobre nós armam futuros botes. (ROCHA, 2004, p. 64)

No caso dos autores deste artigo, a realização de cineclubes estudantil tem como base o percurso de formação do aluno. O objetivo dessa atividade seria a criação de um estranhamento nos alunos através de exibições de filmes que possuem uma linguagem cinematográfica diferenciada dos blockbusters4, possibilitando a desconstrução de um olhar naturalizado sobre o cinema comercial, bem como uma aproximação do conteúdo da experiência social que é o cinema.  Dessa forma, a atividade cineclubista se coloca como uma ferramenta da educação para aproximar e transformar olhares, estimulando a produção coletiva de conhecimento em contraponto ao ensino vertical, em que o aluno está posto como mero receptor passivo das informações apresentadas.

3. Metodologia 

O cineclube estudantil online nasce desta vertente de fazer com que os alunos da educação básica possam assistir curtas metragens produzidos por seus pares e debater o vídeo realizado tanto no seu contexto narrativo como técnico. É a forma de incentivar os alunos a produzirem vídeos dentro do espaço escolar. 

Apresentamos o estudo de caso da criação do cineclube estudantil criado pelo grupo de pesquisa Laboratório Acadêmico de Produção de Vídeo Estudantil (LabPVE), foi criado em 2011 pelo curso de Cinema e Audiovisual da UFPel e pelo curso de Pós-graduação em Educação Matemática (PPGEMAT).  O site cineclube estudantil5 foi criado em 2018 a pedidos da comunidade externa, sendo criada uma página com mais de 150 vídeos cadastrados e distribuídos em 24 tópicos (Quadro 1).

Quadro 1: Temas divididos na página eletrônica cineclube estudantil.
Site Cineclube Estudantil. 2021
Curtas da PandemiaCurtas Educacionais
Adaptação LiteráriaAnimação
BullyingCurtas de Matemática
Curtas em InglêsDocumentário
Curta sobre drogasÉtica
Meio Ambiente e Reciclagem Narrativa Contemporânea 
Homofobia Infantil 
Preconceito Racial Para Professores 
Saúde Rede Social e Internet 
SexualidadeTerror 
Violência contra a Mulher Zumbi
Trabalho e Sociedade Vídeoclipe

O site apresenta vídeos de alunos e professores de diversas temáticas e links para cadastro de curtas e para página pessoal de professores (Figura 3). 

Figura 3: Print do site Cineclube Estudantil.

4. Cineclube Estudantil online 

O grupo de pesquisa Laboratório Acadêmico de Produção de Vídeo Estudantil, em debate realizado entre março e abril de 2021, e com a continuidade da pandemia, criou a ideia de realizar um cineclube online para que professores pudessem enviar para seus alunos curtas selecionados pelo grupo de pesquisa, gerando um debate com esses alunos sobre os curtas produzidos por estudantes de vários locais do país. Os sujeitos da pesquisa foram professores do Rio Grande do Sul que estão realizando um curso online na plataforma Moodle. O curso, que tem como objetivo capacitar professores para que produzam vídeos com seus alunos, teve início em maio e finaliza em agosto. Para auxiliar os professores no uso desses vídeos com seus alunos, foi  criado um vídeo explicativo que esclarece como funciona o cineclube online. Os boletins foram enviados aos professores para que pudessem se organizar com os seus alunos. A ideia é que este cineclube seja aberto ao público em agosto de 2021 (Figura 4).

Boletim 1 


Boletim 2 


Boletim 3 

A ideia é que este cineclube possa ser utilizado por professores e aumente o debate sobre a importância de se realizar vídeo dentro do espaço escolar, fomentando ainda que outros estudantes se interessem pela arte de produzir vídeos em suas escolas.

5. Referências

COSTA JÚNIOR, Hélio Moreira da. O onírico desacorrentado: o movimento cineclubista brasileiro (do engajamento estético à resistência política nos anos de chumbo – 1928 – 1988). Tese de doutorado. USP, São Paulo, 2015.

CRUZ, E. P. da; LOHR, S. S. O cinema como instrumento na Educação da Afetividade: um convite à reflexão e à humanização (2008). Disponível em http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1425-8.pdf. Acesso em 26/04/2016.

KELLY, Peter, Louis A. A. Le Prince and the Whitley Family. http://www.oakwoodchurch.info/louisleprince.html acessado dia 16 de junho 2002

ROCHA,Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo:Cosac Naify, 2004. 

SANTOS, Rita de Cássia Melo.  Um antropólogo no museu: Edgar Roquette-Pinto e o exercício da antropologia no Brasil nas primeiras décadas do século XX.  Revista Horizonte antropológicos. 2019.

O DIA em que os Irmãos Lumière Apresentaram o cinema ao mundo. Sul 21 –  https://www.sul21.com.br/postsrascunho/2013/12/o-dia-em-que-os-irmaos-lumiere-apresentaram-o-cinema-ao-mundo/. Acesso em: 16 de jun 2021.

6. Notas

  1. Disponível em: <https://www.sul21.com.br/postsrascunho/2013/12/o-dia-em-que-os-irmaos-lumiere-apresentaram-o-cinema-ao-mundo/>. Acessado dia 16 de junho 2021. ↩︎
  2. É um erro de cronologia que consiste em atribuir a uma época ou a um personagem ideias e sentimentos que são de outra época, ou em representar, nas obras de arte, costumes e objetos de uma época a que não pertencem. É conhecido como erro histórico, pois as pesquisas apontam ações diferentes da histórica. ↩︎
  3. Para Semiótica Greimasiana o signo sincrético permite vários tipos de interpretação já que o significado é intrínseco ao sujeito. ↩︎
  4. Filmes lançados que obtém uma bilheteria  alta por ser popular e trabalhar os arquétipos universais sendo lançados e com boa bilheteria em todo o mundo. ↩︎
  5. Disponível em <https://wp.ufpel.edu.br/cineclube/>. ↩︎

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