Articulando os grandes campos teóricos da educação, do cinema e da filosofia, buscamos aqui pensar as universidades públicas do Brasil como dispositivos de partilha através do cinema, a partir de uma pesquisa sobre os aprendizados que os estudantes podem vir a ter como estagiários ou voluntários em projetos de difusão. Pensando a educação para além de espaços formais, viemos olhando para as potencialidades das ações extensionistas, no que se refere a formação dos sujeitos na contemporaneidade. 

A proposta, desse modo, consiste em investigar quais aprendizados os estudantes adquirem ao experimentarem os conhecimentos que circulam nos projetos com foco em exibição de filmes: seja na pandemia ou anteriormente, com sessões presenciais. A questão principal do artigo é: como projetos de extensão com foco em exibição de filmes podem transformar o aluno, no caso aqui, o futuro cineasta? Talvez, os projetos extensionistas de cinema coloquem em xeque a própria universidade, ou coloquem em xeque a forma de espalhar saberes de um modo tradicional em sala de aula: que outro tipo de aprendizado é possível com esse equipamento cultural dentro da universidade?

A pesquisa parte de duas premissas:

  1. O cinema brasileiro tem um ponto fraco, ou seja, seu calcanhar de Aquiles: a distribuição dos conteúdos dentro de seu próprio território.
  2. O ensino superior de Cinema no Brasil é, majoritariamente, voltado para a etapa da produção, ficando as etapas da distribuição e da exibição quase sempre esquecidas da grade curricular obrigatória. 

Partindo dessas duas inquietações, buscaremos entender a força dos projetos universitários para o suprimento de uma carência histórica do campo, cultural e pedagogicamente falando. Atualmente, cresce consideravelmente o número de filmes produzidos no Brasil, como cresce o número de iniciativas alternativas de exibição dessas obras: muitas delas são propostas universitárias ou ocorrem em parceria com universidades. No Brasil, a maioria das pequenas cidades não possui quaisquer equipamentos culturais: 39,9% das pessoas moram em municípios sem, ao menos, um cinema1. Muitas cidades do interior desse Brasil profundo, com menos de 100 mil habitantes, contam apenas com projetos alternativos ou instituições de ensino para promover atividades culturais. É daí que advém a proposta da escrita deste artigo.

Aqui, apresentamos como lócus da pesquisa um circuito universitário de exibição, isto é: salas de cinema; cineclubes; mostras e eventos localizados ou organizados por universidades públicas. São projetos de difusão do cinema que procuram operar de forma diferenciada, exibindo filmes fora do circuito comercial, realizando outras atividades além da exibição – como debates e cursos. Além disso, tais projetos não têm fins lucrativos e oferecem uma experiência mais informal em torno da ida ao cinema. 

Dizendo de outro modo, são projetos marcados por uma “verve” cineclubista, no que diz respeito a uma relação muito forte com a pesquisa pela escolha dos títulos a serem exibidos e pela lógica de mostras temáticas. Realizam debates com pessoas informadas em assuntos atuais, dão prioridade a filmes que têm pouco espaço nas janelas tradicionais e travam uma relação mais sólida com a sociedade, permitindo a participação da comunidade de forma mais democrática nas escolhas. Apesar do perfil alternativo, os exibidores universitários também trazem consigo uma equação econômica: como manter um projeto com curadoria corajosa dentro de uma instituição pública? E também apresentam problemáticas culturais e educacionais: como resistir com projetos dessa natureza no Brasil contemporâneo, onde cortes de verba na educação e na cultura são cada vez mais frequentes?

Tais projetos cumprem uma dupla função: são um espaço para projeção gratuita de filmes independentes para a comunidade e atuam como laboratório de exibição, para que estudantes universitários tenham não só a experiência de distribuir suas produções ao público, como a oportunidade de atuar na prática da distribuição e da exibição de cinema. 

Assim, podem dar a ver duas formas de comunidades: aquela que está na frente da tela, assistindo ao filme, e aquela que está à frente de um projeto de difusão, atuando para que filmes sejam vistos. É sobre essa segunda comunidade que queremos falar. 

Parece haver algo a mais nesses projetos de extensão, além do acesso aos filmes mais artísticos e menos comerciais, além da experiência do estar-junto própria da fruição coletiva do audiovisual – em tempos pré-pandêmicos. O fato é que tais iniciativas não estão inteiramente feitas, é preciso fazê-las cotidianamente, num exercício: uma experimentação inevitável. Elas são uma produção constante e não constituem um conjunto coeso. Cada projeto tem sua própria realidade, sua constituição e ordenação. Cada sala, mostra ou cineclube se equipa como pode e escolhe o que exibir dentro de princípios próprios, conforme a comunidade onde estão localizadas. E esse fazer-se é marcado, sobretudo, por uma experimentação peculiar, o que nos leva, inicialmente, a discorrer brevemente sobre o conceito de micropolítica. 

Da relação com o conceito de micropolítica

A força da extensão universitária está, sobretudo, na liberdade de criar e de existir fora das regras do mercado, inventando um contrafluxo da tendência capitalista de proceder. Há um outro modus operandi nesses locais (LANGIE, 2020): uma gestão mais fluída por não ter fins lucrativos, já que o capital torna homogênea qualquer gestão. Trata-se de um outro jeito de operar. Gambiarra, guerrilha, cooperação, brodagem, informalidade: a ideia de uma irmandade leva a pensar em algo realizado artesanalmente, com mais invenção e menos regras estabelecidas – exatamente aquilo que é negado pelo mercado. 

Os projetos universitários travam articulações mais orgânicas, conexões de parceria com cineastas, distribuidoras e produtoras, que fazem questão de apoiar sem pensar tanto na retribuição financeira, mas no valor simbólico. Por entender que o projeto é universitário e voltado à comunidade, até mesmo a imprensa acaba por apoiar essas iniciativas na divulgação espontânea de suas atividades. Há, portanto, certa simpatia que tais projetos causam na sociedade, o que faz com que consigam muitas coisas através de parcerias – filmes e mostras; participação espontânea de realizadores em debates; auxílio na curadoria; ajuda na divulgação; equipamentos doados, entre outros.

Trata-se de uma dinâmica baseada na criação de redes de parceria e fortalecimento, nas quais um elo da teia ajuda o outro, e as possibilidades multiplicam-se. “Criar é resistir… É mais claro para as artes […] Elas resistem antes de tudo ao treinamento e à opinião corrente” (DELEUZE; PARNET, 1997, p. 90). Se as coisas no mundo, normalmente, estão presas a uma estrutura programada – a estrutura do capital – então a resistência é a superação do que está posto. Por isso, resistir é criar. Na concepção deleuze-guattariana, a arte, como forma de pensamento, é potente na criação e expande o clichê da opinião e da comunicação (DELEUZE; GUATTARI, 2010). A arte, assim, é vista como uma possibilidade para resistir ao presente, fabulando novas paisagens no mundo. 

Criação é um dos pontos centrais na filosofia de Deleuze e Guattari. A criação é a potência de operar o diferente, em qualquer uma das três grandes áreas – filosofia, ciência e arte. Criar é resistir, é fugir do óbvio, do senso comum, do clichê. No caso da arte, criar é escapar das amarras da mídia ortodoxa e capitalista. É traçar desvios, operar mudanças de níveis e de escala naquilo que é determinado como pensamento hegemônico. 

Se a tendência do mundo capitalista é visar apenas ao lucro, sem medir consequências, espaços públicos que democratizam o acesso ao cinema, seriam, por que não dizer, espaços de resistência. A experiência de ir ao cinema, no mundo todo, está em transformação. Antes da pandemia da Covid-19, o hábito de ir às salas consistia em frequentar os shoppings centers para assistir aos lançamentos hollywoodianos com ampla divulgação. Fora desse modelo, encontramos projetos atuando na resistência.

A resistência, aqui, estaria no gesto de oportunizar encontros para trocas sensíveis sob outros regimes que não o do lucro. O circuito universitário, assim, pode ser entendido como um circuito de resistência: pela curadoria que difere do conservadorismo das salas comerciais; pelo experimentalismo em seus modos de funcionamento; pela ousadia de fazer a coisa acontecer mesmo com as dificuldades estruturais encontradas nas universidades públicas. 

De acordo com Guattari, a saída para a subjetividade capitalística viria de processos de singularização, em situações específicas, experiências sui generis. “O que estou chamando de processos de singularização é algo que frustra esses mecanismos de interiorização dos valores capitalísticos” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 55). A tecnologia, por exemplo, pode ser usada para manter os sistemas de poder, mas também para questioná-los. As evoluções tecnológicas podem estar a serviço das grandes empresas, mas também podem servir a pequenos grupos para criação de soluções inventivas que permitam diminuir a dominação, por meio de interatividade entre os participantes, ou seja: uma “reapropriação e uma re-singularização da utilização da mídia” (GUATTARI, 1992, p. 16). É possível, através de novas soluções tecnológicas, com barateamento e horizontalidade nas decisões, que surjam novas formas de relações, formas estas que podem oferecer “possibilidades diversificadas de recompor uma corporeidade existencial, de sair de seus impasses repetitivos e, de alguma forma, de se re-singularizar” (Idem, p. 16).

É como uma rede alternativa, que inventa modos de proceder a partir das facilidades da tecnologia digital, tal qual os projetos de difusão da extensão universitária, principalmente pós-pandemia, com a proliferação cada vez maior de cineclubes e mostras online. Mas não só pela tecnologia que se dá tal processo, como pelas dinâmicas cotidianas empregadas, no que diz respeito ao estilo de funcionamento. Assim, a energia possível nas ações de exibição em universidades, normalmente, é capaz de produzir um certo circuito de afetos (SAFATLE, 2016), baseado em outros vínculos: mais humanos e mais sociais. Em tais projetos, normalmente, efetiva-se um outro tipo de lógica: o envolvimento e a dedicação das equipes dão vida aos projetos. As pessoas que ali trabalham, atuam, na maioria das vezes, pelo desejo de participação e aprendizado, e não apenas pelo retorno financeiro. O modo como os operários de determinado projeto pensam o cinema, o que estudam, o que procuram assistir, o conhecimento acerca da dificuldade de circulação do produto brasileiro, são elementos que compõem um circuito particular, uma vibração peculiar, o que permite uma outra experiência: micropolítica

O que vai permitir o desmantelamento da produção de subjetividade capitalista é que a reapropriação dos meios de comunicação de massa se integre em agenciamentos de enunciação que tenham toda uma micropolítica e uma política no campo social (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 141).

Os projetos de extensão, normalmente, não atingem a massa, não chegam ao grande público, são pequenas comunidades que ali se formam, mas tais projetos acabam dando uma visibilidade para o cinema de arte – principalmente para o brasileiro –, que muitas vezes ele não recebe nas salas comerciais, por toda a problemática política e econômica do setor. Ainda mais no contexto atual, no qual, apesar da profusão de obras, vigora ainda o que Sales Gomes, na década de 1960, classificava como colonialismo cultural: “lutar para fazer filmes e precisar, para exibi-los no próprio país, recomeçar uma luta ainda mais exaustiva é afinal de contas um escândalo” (SALES GOMES, 2016, p. 368). Muitos filmes brasileiros acabam passando só nesses espaços, ou é nesses locais que podem ser vistos de outro modo, com maior valorização, em mostras especiais, com debates e podendo ficar mais tempo em cartaz.

Para Guattari, há uma força na criação, na revolução molecular que vem de micro iniciativas que podem sim tornar as bordas do mundo mais elásticas, mais maleáveis. Ele cita o exemplo das rádios piratas: “uma rádio livre só tem interesse se ela é vinculada a um grupo de pessoas […] que querem mudar o tipo de relação que têm entre si no seio da própria equipe” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 141).  O que entusiasma o autor não é a dimensão macropolítica2, mas a vitalidade das micropolíticas criativas. A micropolítica opera no detalhe, por meio de fluxos de intensidades, com um caráter de imprevisibilidade. 

Desse modo, a atitude de se organizar em grupos e criar estratégias próprias para escapar aos modelos dominantes, trata-se de uma experiência micropolítica. A possibilidade de criar dinâmicas mais horizontais e participativas, sem um olhar de chefe ou especialista, também. Dizendo de outro modo, o que dá às pequenas comunidades seu caráter criativo é a capacidade de ler sua própria situação e criar regras internas: autonomia. O diferencial das experiências alternativas de difusão de cinema é seu caráter processual, já que não se trata de tentar copiar as práticas das salas comerciais, mas de encontrar um outro uso. Ou seja, os grupos devem operar seu próprio trabalho à sua maneira. O que vai caracterizar um processo de singularização é que ele seja auto modelador, que tenha a capacidade de construir seus próprios tipos de referências práticas e teóricas, saindo da posição constante de dependência. E nesse outro modus operandi dos projetos universitários de difusão do cinema, uma peça fundamental da engrenagem são os estudantes.

Do aprendizado além da sala de aula

Nesse contexto de experimentação, resistência, singularização, micropolítica, é possível entender que iniciativas de difusão de produtos marginais – aqueles que estão fora do mercado –, tragam a marca da participação. Cria-se normalmente nesses projetos uma relação horizontal de trabalho, onde estudantes têm autonomia de tomar decisões – oportunidade que nem sempre existe nas salas de aula. Os estagiários ou voluntários, em muitas dessas propostas, são responsáveis por fazer a coisa acontecer (LANGIE, 2020). Poder colocar a mão na massa nas etapas da distribuição e da exibição, para um aspirante a cineasta, é uma experiência rara. Trata-se de um laboratório, onde a produção de saberes é viva e pulsante. Professores e técnicos aprendem constantemente com os estudantes e vice-versa.

De acordo com as discussões anuais nos congressos do Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (FORCINE), é perceptível que a maioria dos cursos de Cinema e Audiovisual do Brasil não possuem a disciplina de Distribuição e Exibição na grade curricular3. Os conhecimentos são concentrados na etapa da realização dos filmes e tanto a difusão, quanto a preservação, por exemplo, são conteúdos pouco aprofundados pelos professores. Por conta disso, duas importantes etapas da cadeia do cinema: distribuição e exibição, acabam invisibilizadas ou diminuídas, tanto em termos de políticas públicas, quanto em pesquisa e ensino nas universidades. 

Além disso, muitas vezes, o aluno de cinema realiza um filme e não vive a experiência de exibi-lo em uma situação adequada, com qualidade de projeção. Há algo de singular no aprendizado que alunos podem ter ao exibir suas próprias produções em mostras abertas à comunidade. Pensa-se melhor o cinema quando se exibe e se discute os filmes com outros públicos, com pessoas de universos e gostos variados, daí a relevância de uma sala de cinema ou de espaços que abrigam mostras e cineclubes como laboratórios acadêmicos4

Segundo Deligny (2018), um processo educativo pressupõe que o aluno consiga inventar instrumentos para suas necessidades. O autor entende a educação como prática que oportuniza experiências para que o estudante invente uma forma mais efetiva e livre para fabricar o que quer, ao seu modo5. A educação envolve práticas, pressupõe a oportunidade de experiências estimulantes para revelar as sensibilidades dos sujeitos. E a oportunidade de atuar em projetos de difusão, ou mesmo a experiência de ver e debater suas produções na tela grande, em eventos organizados por eles mesmos, coloca o estudante no centro do processo. 

Uma imagem contendo chão, interior, mesa, cadeira

Descrição gerada automaticamente

Estagiários trabalhando no escritório do Cinusp. Foto da autora. São Paulo, 2018.

No que se refere à gestão, muitas vezes os estudantes participam das decisões importantes do dia-a-dia, assumindo responsabilidades. Processos educativos dizem daquilo que desperta valores, estimula que a pessoa se revele, ao experienciar coisas para se encontrar e se conhecer. Conforme orienta Deligny, o verdadeiro educador é o criador de circunstâncias, capaz de inventar situações em que os sujeitos possam avaliar e tomar iniciativas, por si próprios, de acordo com suas vivências.

Na experiência cotidiana em projetos de difusão, os jovens podem aprender como funciona a etapa da distribuição e da exibição e podem adquirir uma série de aprendizados específicos. Passam a entender como lidar com as distribuidoras e também a pensar uma mostra, ou seja, escolher e definir como unificar os filmes em uma temática. Os estudantes não só selecionam filmes que estão disponíveis nas distribuidoras, mas buscam clássicos, pensam temáticas, encaixam curtas e longas em uma mesma sessão. São curadores-que-criam (ROLNIK, 2017). E há ainda a possibilidade de subverter a curadoria tradicional que só enxerga longas profissionais, podendo elaborar programas diferenciados e inovadores. 

Aprendem os caminhos burocráticos e os meandros da distribuição de cinema: como conseguir a liberação dos direitos de exibição das obras.  Além disso, colocam a mão na massa na dinâmica da divulgação: aprendem como apresentar o material ao público; como dominar as redes sociais, arte gráfica, releases e sinopses. E ainda é válido destacar a possibilidade de conviver diretamente com a comunidade, seja a comunidade interna de estudantes e professores de outros cursos, ou a comunidade externa, pessoas de diferentes idades, estilos, classes sociais. Fora o possível contato com realizadores, nas mostras ou sessões com debates. Outro destaque é o trabalho colaborativo, no qual uns aprendem com os outros e com os técnicos e professores envolvidos nas salas. 

Além disso, os envolvidos podem aumentar a bagagem cultural e o leque de referências, pois falam de filmes por várias horas por semana. Podem se deparar, inclusive, com filmes inéditos no Brasil e com materiais que nem pensariam em ver. Na carência de condições ideais, experimentar e criar saídas e soluções para os desafios: como projetar em um cinema sem cabine? Como lidar com a impossibilidade de sessões presenciais e ter que se reinventar com cineclubes remotos durante a pandemia? Ali no cotidiano de improvisação, os jovens aprendem a pensar rapidamente estratégias para os problemas que surgem, aprendem a resistir e inventar-se na política da falta. Na experimentação, resistir é criar. E na criação, a experiência singular e micropolítica pode transformar o sujeito. 

Com tudo isso, enxergamos que a experiência de estagiar em um projeto desta natureza pode, inclusive, direcionar a carreira dos estudantes: podem optar por trabalhar com distribuição ou exibição e podem também aplicar uma expertise singular na difusão de seus primeiros filmes – uma carência no currículo comum dos cursos de Cinema do país. E mais: a atuação nessas salas acaba sendo um trabalho de formação de curadores e exibidores para o cinema no mercado brasileiro, ação fundamental em um parque exibidor conservador e colonizado.

Uma imagem contendo pessoa, chão, grupo, interior

Descrição gerada automaticamente

Estudantes apresentando seus curtas para a comunidade no Cine UFPel. Foto da autora. Pelotas, 2016.

Arriscamos, inclusive, propor que, micropoliticamente, o trabalho em um projeto desses possa mudar a consciência dos envolvidos sobre o que é o cinema, e o que é fazer e distribuir filmes no Brasil. O campo do cinema só pode ser assimilado quando se pensa na cadeia como um todo: do roteiro até a chegada da obra ao público -, caso contrário, trata-se de uma visão limitada. Assim, a micropolítica do experimentar própria dos laboratórios de difusão alternativa, pode levar alguns estudantes a um outro patamar de experiência política, já que há uma responsabilidade social em atuar em prol de um acesso mais democrático à arte.

O trânsito de conhecimentos pode, a longo prazo e pelas beiradas, provocar um aprimoramento dos processos de circulação de filmes no país, já que estudantes experienciam ali o cotidiano de duas importantes etapas da cadeia do audiovisual. E tudo isso, enquanto processos de resistência, experimentação e criação, pode, por que não dizer, acabar por reverberar no próprio campo, micropoliticamente, transformando aos poucos a realidade do cinema brasileiro. 

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. L’ Abécédaire de Gilles Deleuze. Entrevista com Gilles Deleuze. Editoração: Brasil, Ministério de Educação, “TV Escola”, 2001. Paris: Editions Montparnasse, 1997. 1 videocassete, VHS, son., color. 

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs – volume 1: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

_________. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010.

DELIGNY, Fernand. Os vagabundos eficazes: Operários, artistas, revolucionários: educadores. São Paulo: N-1 edições, 2018. 

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 1992.

_________.; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

LANGIE, Cíntia. Cinescrita das salas universitárias de cinema no Brasil. Tese de doutorado. Pelotas, PPGE UFPel, 2020. Disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1WMx1UvlJ5F_ShzdHdJEIZ_xlzb4eT55k?usp=sharing. 

ROLNIK, Suely. O saber-do-corpo nas práticas curatoriais: driblando o inconsciente colonial-capitalístico. Texto apresentado oralmente no seminário Curadoria em artes visuais: um panorama histórico e prospectivo, promovido pelo Santander Cultural. Porto Alegre, maio de 2017. 

SAFATLE, Vladimir. O circuito dos afetos. São Paulo: CosacNaify, 2016.

SALES GOMES, Paulo Emílio. Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 

Notas

  1. Dados do Sistema de Indicadores Culturais do IBGE, referente ao ano de 2018. ↩︎
  2. De forma bastante resumida, na filosofia deleuze-guattariana o nível macropolítico diz respeito às molaridades: instituições, regras, padrões. Enquanto o nível micropolítico é molecular e está ligado às iniciativas dissidentes, menores. Ver mais em Mil Platôs – Volume 1 (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 15). ↩︎
  3. De acordo com um mapeamento realizado em 2012, dos 53 cursos de Cinema existentes na época, apenas 6 contavam com alguma disciplina relacionada à distribuição e/ou exibição. Disponível em: http://forcine.org.br/site/wp-content/uploads/2012/05/FORCINE-final322.pdf. Acesso em 6 de dez. de 2019.  
    Na publicação Cadernos FORCINE 01, no artigo Breve histórico de área do ensino de cinema e do audiovisual, Maria Dora Mourão aponta que desde os primeiros cursos de Cinema no Brasil, as universidades são focadas na formação de realizadores cinematográficos, com objetivo principal de formação de diretores. Disponível em: http://www.forcine.org.br/site/publicacoes/cadernos/. Acesso em 12 de set. de 2018. ↩︎
  4. Agnès Varda em Varda por Agnès (2019) diz que três palavras a guiam para fazer cinema: inspiração – o que dispara o desejo –; criação – decidir como filmar o objeto –; compartilhamento – partilhar a obra com o público. Realizadores audiovisuais comprometidos pensam na difusão de seus filmes. ↩︎
  5. Ver mais em Os vagabundos eficazes (DELIGNY, 2018). ↩︎

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