1. Introdução
Na produção de vídeos com alunos, um aspecto de extrema importância é a leitura e interpretação das imagens na sua recepção e produção. Ações como a exibição e debate de filmes em cineclube possibilita de certa maneira a problematização e ampliação da interpretação das imagens dos filmes. Geralmente em sua primeira análise, caminham para o plano do conteúdo e dependendo do debate, as especificidades da linguagem e de expressão são discutidas.
Neste sentido, a semiótica, como uma “teoria de todos os sistemas de significação dos discursos manifestados por quaisquer tipos de texto” passa a desempenhar um papel importante diante do diálogo com as interpretações realizadas pelos alunos. “A semiótica mostra que seu objeto não são os signos, mas a significação, ou seja, as relações diferenciais tanto no plano do conteúdo como no plano da expressão responsáveis pelo sentido do texto. ”(FIORIN, p.4)
Nesse debate realizado após a exibição do filme, é possível perceber, através das leituras doa alunos, os elementos significadores que são definidos com as suas percepções e interpretações, ou sejam os elementos do conteúdo e da linguagem debatidos após as percepções dos alunos.
Da mesma forma, uma cor significa, num quadro, em oposição a outras cores. Um movimento de câmera, como plongée, tem sentido em relação, por exemplo, a contra-plongée. Os elementos são definidos pela função no interior do sistema. Por isso, qualquer linguagem é forma (conjunto de relações) e não substância (sons, cores, etc. ou conceitos). (PEREIRA, p.4)
Os elementos da linguagem que possibilitam a criação dos sentidos do espectador, nesse caso, os alunos em um ambiente de cineclube, são extrapolados por leituras sociais. Um exemplo aconteceu em uma exibição do filme Melancolia do diretor Lars Von Trier (2011), onde um aluno, após a exibição, levanta incomodado com o filme e relata “esse filme é uma mentira, se tivesse vindo um meteoro em direção a terra, a NASA iria nos salvar”. Quais os elementos que se destacaram e ganharam sentido para esse aluno?
A semiótica, nesse caso, se apresenta através da representação e da construção simbólica do aluno diante do signo na relação com o contexto imagético, no qual todos os filmes que o aluno viu a NASA sempre salvou a terra diante de uma ameaça, então por que esse seria diferente?
O elemento da destruição do mundo teve uma significação para o aluno diferente do que foi proposto pelo diretor mesmo que sua representação seja o mesmo. O fim de um seria a salvação e do outro, do diretor, o fim do mundo. A busca do entendimento da colocação do aluno diante do filme representa o estudo dos signos sociais no âmbito principalmente ideológico.
A semiótica tem por finalidade, pois, “explicitar as estruturas significantes que modelam o discurso social e o discurso individual” (Coquet, 1984: 21). Como se viu, não se trata mais dos signos, mas da significação, ou seja, das relações diferenciais subjacentes que produzem o discurso. Vai estudar as estruturas, que são sempre relacionais, semânticas e sintáxicas hierárquicas, que produzem os sentidos dos universos discursivos (PEREIRA p.5)
O uso da semiótica no debate da exibição de filmes é uma ferramenta potencializadora e de entendimento de signos construídos socialmente. Com essa potencialidade de construção de significados através da exibição, como podemos pensar a semiótica dentro de uma produção de vídeo estudantil? A construção do vídeo permite que entendimento pelo espectador? Era isso que era a intenção do aluno passar?
Pensando essas questões e se apropriando da área da Educação Audiovisual1 foi proposto um exercício chamado de Cartas Audiovisuais.
2. Exercício – Carta Audiovisual2
Com a carta filmada é realizado um debate expondo-as para todos os grupos. Apresenta-se problematizações e discussões, sejam temáticas ou da própria linguagem utilizada no vídeo. Para Bergala (2008, p.129), isso é novo: “diferente da análise fílmica clássica, cuja única finalidade é compreender, decodificar, ‘ler o filme'”, o aluno poderá interpretar a carta do outro aluno unindo a mensagem à linguagem cinematográfica, exercitando assim o seu olhar diante uma obra cinematográfica. Através deste exercício, o aluno interpretará, segundo seu olhar, a mensagem que as imagens do vídeo de outro querem passar. Uma imagem tem várias interpretações, mas qual será a interpretação que o outro quis passar? E como foi feito para isto? Poderá acontecer leitura diferenciada do objetivo da carta inicial e assim na resposta o grupo perceberá que não conseguiu transpor em imagens a mensagem que desejava passar.
Sua ideia surgiu através do diálogo entre a exposição de olhares que os diretores Enrice e Kiarostami desenvolveram a exposição “Correspondências”3.
A exposição itinerante “Correspondências” propõe um diálogo entre as obras cinematográficas de Víctor Erice e Abbas Kiarostami. Por meio da troca de “cartas filmadas”, cada qual lança seu olhar sobre a obra do outro (Alain Bergala, 2007).
O objetivo da carta audiovisual é a produção e entendimento de sentido, narrativa e ideia da carta recebida. Esses elementos precisam estar alinhados com a produção de imagens. A carta é uma produção sem interferência do professor, no primeiro momento, sendo a resposta debatida em sala de aula. O que vocês viram na carta? O que quiseram passar e vocês perceberam isso como? A produção da resposta parte de respostas as questões que apareceram ao ver a carta recebida.
Figura 1 – Divisão de grupos
O exercício consiste em separar a turma em grupos e realizar duas etapas: de envio e de resposta. Cada grupo é responsável por produzir um vídeo “carta” para ser enviado para o outro grupo. O tema é livre. No segundo momento, o grupo que recebeu a carta precisa produzir um outro vídeo respondendo o que o outro grupo quis passar. No final todos os alunos envolvidos no envio e resposta participam de um debate para discutir: “O que vocês queriam passar? A resposta conseguiu atingir essa ideia?

2.1 – O envio
Na teoria da comunicação, temos o emissor (remetente), a mensagem e o receptor (destinatário). A mensagem é transferida a partir de um código, ou seja, elementos que possuem significados na relação com outros e deve ser conhecimento de quem envia e de quem recebe. É, principalmente, nesse momento que a semiótica realiza a leitura dos signos e os alunos, possivelmente, criam suas respostas.
Levando em consideração os conceitos de Emissor, Meio e Receptor, podemos dizer que entre o emissor e o meio e necessário ter uma referência para que esse receptor possa decodificar a mensagem da melhor forma, por isso, a necessidade do emissor compreender o signo utilizado pelo receptor. Em um filme, o diretor e o “criador” desse código/signo. (PERREIRA, p.74)

Figura 2 – Primeira etapa – ENVIO
A produção da primeira carta é realizada pelos alunos sem interferência do professor. Toda a escolha e produção parte diretamente dos alunos, cabendo ao professor somente aumentar o debate entre eles e possibilitar a produção como tempos de aulas para produção e equipamento de captura e edição. Esse momento é importante para o professor ter a noção sobre as habilidades e influencias dos alunos na produção de vídeos. O interessante é deixar que o diálogo seja entre eles sem interferência do professor. O vídeo pronto, segue para a segunda etapa, de envio e recepção pelo outro grupo.
2.2 – A recepção

Os significados são construídos, representados, ilustrados e lidos pelos alunos no momento que recebem a carta. Nessa etapa, o exercício consiste na análise da carta recebida como forma de pensar na produção da reposta. Neste momento o professor pode interferir no debate dos alunos como forma de mostrar outras possíveis leituras.
O que vocês viram no vídeo? Qual a mensagem que eles queriam passar? Como poderiam ter feito para que o espectador entendesse melhor? O professor mesmo sabendo a intencionalidade do grupo que enviou não informa e sim problematiza a resposta. A partir desse debate o grupo desenvolve a resposta da carta. Em alguns casos, já pensando na reposta, o grupo deixa uma pergunta aberta no vídeo para ser, ou não, respondida.
Um exemplo de carta4 que deixa explicita é a “Procura-se”5. Três amigos começam uma busca pelo seu amigo Yago que sumiu e ninguém sabe ondem ele está. A ideia do grupo era que o outro grupo respondesse onde ele estaria.
Carta Audiovisual – Procura-se
Outra forma de realizar a carta de envio são vídeos fechados, fazendo com que os alunos que receberam busquem elementos e signos para serem respondidos.
Carta Audiovisual – Cãozinho
Na carta “Cãozinho”6, os alunos fizeram uma carta baseada no filme Cão Andaluz do diretor Luis Buñuel utilizando fotografia. Seu objetivo era realizar uma crítica aos padrões de belezas impostos e que algumas vezes são surreais.
2.3 – A análise e resposta
Na etapa de análise e resposta os grupos produzem a resposta a partir da carta recebida. Mas quais signos despertaram atenção nos alunos e que serão respondidos?
O processo criador se desenrola da seguinte maneira: o criador percebe confusamente uma imagem [em] que [se] encarna emocionalmente o seu tema, antes mesmo que tenha dela uma visão intima. O que ele tem a fazer, é traduzir essa imagem em algumas representações detalhadas que, combinadas, evocarão no espírito e nos sentidos do espectador, do leitor ou do ouvinte, a mesma imagem que ele havia percebido inicialmente” (EISENSTEIN apud BERGALA, 2008, p.144).
Uma experiência de envio e resposta de cartas audiovisuais entre escolas pode ser vista em dois vídeos “terror trash” e “vero”. Esse projeto permitiu um intercâmbio entre escolas e a possibilidade de troca de cartas entre instituições de diferentes lugares.
2.3.1 – Semiótica
O que seria o estudo da semiótica dentro do exercício das cartas audiovisuais? Primeiramente partimos da definição de semiótica realizada pelo autor Fiorin:
Assim, a semiótica é uma teoria de todos os sistemas de significação, dos discursos manifestados por quaisquer tipos de texto (o texto verbal, o texto pictórico, o texto cinematográfico, o texto operístico, o texto publicitário e assim por diante). (PEREIRA, _, p.4)
Segundo o autor Josias Pereira, “ela vai além da semântica, porque seu objeto não e o plano de conteúdo das línguas naturais, mas o discurso veiculado pelos textos. ”(p.3). O estudo da semiótica dentro do exercício da carta vai além da semântica dos vídeos e suas interpretações. Ela incide, visualmente, “na combinação de planos de expressão”.
Na linguagem audiovisual, a semiótica ganha seu sentido na relação com os outros.
Da mesma forma, uma cor significa, num quadro, em oposição a outras cores. Um movimento de câmera, como plongeê, tem sentido em relação, por exemplo, a contra-plongeê. Os elementos são definidos pela função no interior do sistema. Por isso, qualquer linguagem e forma (conjunto de relações) e não substancia (sons, cores, etc. ou conceitos). (PEREIRA, _, p.4)
Na etapa de análise, a semiótica permite entender a produção de significados pelos alunos destinatários a partir das suas leituras para a produção da resposta.
Podemos entender melhor a partir do exemplo de uma troca de cartas realizadas por alunos de escolas de diferentes lugares. Essa experiência pode ser realizada a partir de um edital FAPERJ que possibilitou o desenvolvimento de um projeto-piloto de expansão e troca de experiências do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo NUTED7 no campo da educação audiovisual nos últimos cinco anos, estabelecendo um aprimoramento da infraestrutura de quatro escolas da rede pública selecionadas neste primeiro momento. As escolas parceiras que irão compor o projeto são: Escola Municipal José Veríssimo – Rocha – Rio de Janeiro – RJ; Escola Municipal Professor Vieira Fazenda – Barra de Guaratiba – RJ; Ensino Médio Integrado – Colégio Estadual Pedro II – Petrópolis
O exercício utilizado no intercâmbio entre as instituições pode ser exemplificado nesse projeto. Uma escola produziu e enviou para outra que teve sua resposta, nesse caso, a produção do “Terror Trash”, realizada por alunos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, em Manguinhos, Rio de Janeiro, proporcionou a resposta “Vero” dos alunos do Colégio Estadual Pedro II em Petrópolis.
2.3.2 – Envio8
“Terror Trash” – Alunos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
2.3.3 – Resposta9
“Vero” – Alunos do Colégio Estatual Pedro II – Petrópolis
Na carta de envio podemos visualizar somente os pés dos personagens. O ícone estabelecido é formado com a música que permite a definição das características dos personagens. A cor das imagens também contribui para sua caracterização, de um lado uma pessoa, aparentemente triste, com roupas escuras, música que produz um tensionamento, ampliado com a imagem escurecida. Do outro lado, uma personagem dançando e com a imagem com cores normais. Esses personagens se encontram inesperadamente, ouve-se um grito e a imagem posterior é de um corpo estendido no chão, com os pés do personagem ao lado.
Para além da imagem, a opção do enquadramento dos pés aconteceu porque nenhum aluno queria atuar e a solução foi a filmagem que não aparecesse, mas que permitisse identificar o que estava acontecendo. A música e a cor foram elementos que possibilitaram a leitura das características dos personagens. A narrativa do vídeo foi realizada a partir desses signos e seus significados construídos na união deles. O vídeo da carta pronto foi enviado para os alunos do Colégio Estadual Pedro II, em Petrópolis que produziram o vídeo “Vero”.
No vídeo “Vero” é evidente que o que mais afetou na carta recebida foram o enquadramento e a história com morte no final. Utilizando a mesma construção simbólica de enquadramento, os alunos inseriram signos, como sapados femininos, pés descalços e sapatos. A trama foi aumentada com o surgimento de mais um personagem que pela construção simbólica, seria o amante da personagem. Esse amor escondido é descoberto e o suposto marido acaba realizando o assassinato do amante. A última cena utiliza do mesmo filtro escuro que a primeira carta. O sentido nesse caso é para a criação do ambiente do assassinato.
2.3.4 – Debate
Nessa etapa, todos os alunos, de envio e resposta, são postos para dialogarem. Era isso que vocês quiseram passar? Era isso que vocês esperavam como resposta? O que vocês viram que o outro grupo não viu? Como vocês teriam feito para melhorar a mensagem? Com as perguntas criam o debate eles os próprios alunos que alguns casos ficam surpresos com a resposta porque esperavam outra coisa, ou até, não esperavam mas gostaram mais desse entendimento.
Figura 3 – Foto do dia final do projeto onde as três escolas se reunião em Petrópolis para realizar o debater das cartas
Nessa etapa a semiótica se apresenta nas falas dos próprios alunos com suas leituras, expectativas e releituras. Os professores participam do diálogo relatando os processos de produção e as primeiras leituras realizadas. Essa etapa é fundamental para confrontar as produções de significações dos alunos.
3. Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, Gregorio; GARCIA, Marina de Freitas. Cartas Audiovisuais. In.: FRESQUET, Adriana (org). Aprender com experiências do cinema. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ. 2009.
BERGALA, Alain. Kiarostami e Erice. Le Monde Diplomatique. set. 2007. Disponível em <http://diplo.uol.com.br/2007-09,a1901>. Acesso em: 01 jun 2021.
PEREIRA, Josias (org). A semiótica Greimasiana sem audiovisual: da teoria à prática. Disponível em < https://www.academia.edu/44527929/Semiotica_Greimasiana_da_Teoria_a_pr%C3%A1tica. Acesso em 11 jun 21
4. Notas
- Concepção proposta pelo autor Gregorio Albuquerque – https://educacao-audiovisual.blogspot.com/ ↩︎
- A concepção da posposta foi realizada em 2010 pelo autor Gregorio Albuquerque e Marina Garcia, no livro “Aprender com experiências do cinema. Org. Adriana Fresquet. Disponível em https://www.academia.edu/25349856/Cartas_Audiovisuais . Acesso em 08 jun 21. ↩︎
- Disponível em https://diplomatique.org.br/kiarostami-e-erice/. ↩︎
- Todos os exemplos parte da experiência da disciplina de Audiovisual da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). ↩︎
- Disponível em https://youtu.be/gMixpG1hoYk ↩︎
- Disponível em https://youtu.be/bpPdPA-gG7c ↩︎
- Núcleo de Tecnologia Educacional em Saúde (NUTED). ↩︎
- Disponível em https://youtu.be/HkMuJrJc2l4 ↩︎
- Disponível em https://youtu.be/HkMuJrJc2l4 ↩︎