Encontros de cinema-educação
1. Primeiros passos – Sonhando com a viagem
[…] entre os seres humanos que viajam, alguns fazem porque querem, outros se deslocam porque creem, outros porque necessitam e, finalmente, outros viajam por que devem (BRANDÃO, 2008 apud KOHAN, 2013, p.123).
Nesta viagem, Simón Rodriguez não se deslocou como turista ou em busca de um emprego. Sua viagem é entendida como lugar de passagem e transformação, como o encontro com Tomaz, que o fez pensar como não pensava antes e o levou a questionar sobre as escolas que mantinham crianças como Tomaz excluídas e marginalizadas. A partir dessa experiência, ele alonga seu caminhar em busca de novos encontros, constituído pelos lugares que transita, buscando novas realidades, culturas, tradições, filosofias e organizações de vida, aprendendo com olhar atento e em movimento o mais próprio de cada território, para recriar e (re)inventar a si mesmo, seu fazer docente, e as escolas das Américas
Esse professor viajante inspira novas práticas aos professores. Em Cuba, por exemplo, o pensador, poeta e soldado cubano José Martí (2015) relata as ações dos “professores ambulantes” que se deslocavam das instituições escolares – dadas como feitas e acabadas – na qual sua posição se restringiam aos muros da escola, para viajar ao encontro dos seus alunos em territórios distantes, os mesmos alunos que atravessaram a caminhada de Simón: marginalizados, ignorados e silenciados. Neste território o mestre é o estrangeiro, o estranho, o que vem de fora, que não é anfitrião (KOHAN, 2013) e que aos poucos inventa maneiras de habitar esse espaço com seus habitantes.
Os modos de ser professor a estes dois pensadores se aproximam, compreendem as viagens como um lugar de passagem, transformação e construção de aprendizagens. Essas andanças dos professores de Cuba não se limitavam à alfabetização e ao ensino de técnicas.
Ensinar naquele contexto significava ser sensível aos saberes dessa população e em compartilhar um saber para a vida campesina. A atuação desse professor inspira em seus alunos o desejo pelo saber, transformando suas relações com os conhecimentos, pois, mostravam o quanto estes poderiam ser significativos nos fazeres do dia a dia e em suas próprias vidas.
Portanto, o fazer docente nessa perspectiva vê seus alunos como iguais na condição de aprendentes, não pretende transmitir uma técnica, mas em construir conhecimentos na troca de saberes, convidando e entusiasmando os alunos a aprenderem o que ainda desconhecem, e ensinarem o que sabem. Nesses encontros, ambos os participantes se constituem e se transformam (KASTRUP, 2015; RANCIÈRE, 2011).
Como um professor ambulante e viajante, também temos viagens marcadas, semanalmente: aos domingos no São Dimas e às quartas-feiras no Abrigo Tiradentes.
2. Preparando a viagem: Conhecendo o território São Dimas
É casinha pobre, mas não tinha nada, confusão não. Agora cada um tem seu carro, cada um tem sua moto, então dá uma confusão danada, dá uma confusão danada, porque quando chegou aqui, não tinha nada, lembra?
Maria dos Reis chegou em São João del-Rei aos 16 anos, e vive no bairro do São Dimas há mais de trinta. Sentada na calçada em frente a sua casa, de um muro verde vivo, nos contou que quase não havia casas ali na frente, onde agora tem muitas. “Aqui não tinha, não tinha casa, quando nós mudamos pra cá tinha muito pouco, depois é que fez essas casas, cê não tá vendo tudo uma por cima da outra quase, depois que fizeram essas casas é que melhoraram, mas aqui tinha umas quatro casas só, depois é que foi aumentando gente”.
Maria é avó de duas das crianças que participam assiduamente do programa, e alguém com quem tivemos muito contato durante todo o processo, ao estabelecer um diálogo mais a fundo buscando compreender um pouco melhor os processos que a levou a morar no São Dimas, vemos uma proximidade muito grande com o local, suas mudanças intergeracionais e seus primórdios, vemos então a oportunidade de pesquisar partindo de suas e de outras experiências com o espaço, e de um olhar cartográfico, um pouco da história do São Dimas.
Evidenciamos um pouco da atual convivência que ela tem com o espaço, antes com menos pessoas a convivência era vista como mais agradável, a simplicidade e a forma harmoniosa de organização são traços evidentes em sua fala, essa forma coletiva de organização do espaço e das relações sofre uma ruptura na medida que as pessoas que convivem por ali, suas condições socioeconômicas e até mesmo o próprio bairro vai sofrendo alterações. Para ela, um ambiente antes de convivência tranquila passa a se tornar conflituoso. O crescimento populacional trouxe mudanças estruturais benéficas, vemos isso no seguinte trecho de nossa conversa: “Agora eles puseram quebra-molas, os dois quebra-molas já melhorou a rua, isso é o que nós queríamos, já melhorou tudo.”
Presenciamos em vários momentos e principalmente em nossas chegadas na comunidade as brincadeiras das crianças, e vimos sua recorrência nas filmagens e trabalhos produzidos por elas, então resolvemos perguntar. “Você falou que brincava muito aqui na sua época, as brincadeiras eram parecidas com o que as crianças fazem agora?” e ela respondeu. “É não, nós brincávamos mais, brincava era de esconde esconde, de roda, chegava época de quadrilha, então era aquele tanto de quadrilha.” Essas histórias são expressões de personagens de carne, osso e coração que habitam o bairro, cuja localização já foi travessia de tropeiros, comerciantes, produtores rurais. Segundo Barros (2004) os primeiros moradores chegaram no início do século passado e posteriormente, em 1984, com a construção do conjunto habitacional São Dimas (nome de homenagem ao santo em 1940), uma segunda leva de moradores se fixou. Nossos encontros foram com alguns dos mais pequeninos e jovens habitantes desse território.
3. Nossa primeira escala: São Dimas
Domingo não era um dia que estávamos habituados a viajar. Antes, depois do almoço eram dias reservados para assistir a filmes ou cochilar, agora, é o momento destinado a começar com os preparativos para nossa viagem. 16:30 é horário marcado para encontrar os outros dois passageiros, companheiros nesse caminhar. Arrumamos juntos nossa mala, colocamos o projetor, notebook, extensão, adaptador, pen drive, câmeras fotográficas e antes de partir conferimos para ver se não estamos esquecendo nenhuma bagagem.
Partimos às 17 horas quando a cidade está sem muito movimento. São exatamente 15 minutos de viagem, atravessando silenciosas escadas, morros, cercas, estradas de terra, estradas de pedra, até chegarmos finalmente ao topo, de onde podemos ver toda a cidade envolvida pelas serras, abaixo do céu alaranjado e iluminada pelos últimos raios de sol do dia. Aos poucos, os sons das crianças, o funk dos carros se misturam com o canto dos pássaros… é um aviso que estamos perto do nosso destino.
Cruzamos o “portão de desembarque” (que no nosso caso é uma porteira de madeira construída nos fundos do campus Dom Bosco e que atualmente delimita a área dos alunos da UFSJ e dos moradores do bairro) e chegamos ao outro mundo, com outras ruas, outras paisagens e novas histórias, um mundo em movimento que tem sua organização, suas brincadeiras, suas relações, [ali nós é que somos os estrangeiros]. Começamos a andar por esse novo território, não sabemos o que(m) vamos encontrar nesse espaço desconhecido, jogamos nosso corpo pelo mundo abertos ao afetos, ao imprevisível, as suspensões e reinvenções.
Encontramos ali nosso “Tomaz”, que são Ana, Daniel, Lara, Pedro, Arthur. A cada viagem nos aproximamos mais desses Tomaz, desse mundo, estreitamos nossos laços e nos tornamos conhecidos. 19h é nossa hora de partir, vamos embora comentando cada detalhe dessa andança, dessa experiência que nos coloca em movimento como estudantes e futuros professores. Não sabemos direito o que permanece da nossa passagem, mas o que importa inicialmente é o que aconteceu e foi provocado no momento do encontro. Encontros feitos com presença e atenção conjunta, cada vez mais raros no mundo hoje.
Para iniciar as sessões de cinema nos ativemos a andar pela comunidade, tal como um professor ambulante, pensando em termos de Martí (2015), e falar pessoalmente com as crianças sobre o projeto que iria começar. Além de afixar cartazes nos postes e pequenos comércios do bairro, fizemos algumas visitas às casas das crianças convidando uma por uma e propondo que chamassem seus colegas. Isso nos oportunizou o contato com os familiares das crianças, e com o tempo esse contato se tornou uma relação de confiança e curiosidade. Ao fazermos isso, colocamos em prática o perambular do professor viajante, tal como Simon Rodriguez, que em suas andanças ia ao encontro das crianças, dos alunos, para além dos muros da escola (KOHAN, 2013).
No São Dimas as atividades ocorrem em duas etapas: a exibição de filmes curta metragens nacionais, com discussões póstumas aos filmes e atividades de criação cinematográfica. Ao selecionar os filmes e atividades a serem desenvolvidas ampliamos o nosso repertório e assim ampliamos também o repertório das crianças, desenvolvendo junto com elas um olhar estético e crítico em relação às produções audiovisuais contemporâneas, com destaque para as produções brasileiras. Acreditamos que podemos aprender com o cinema, especialmente quando desmembramos a realização fílmica em seus diversos dispositivos, que contemplam a criação de exercícios iniciáticos que nos ajudam a ver, sentir
e perceber o mundo ao redor de um jeito diferente do habitual, portanto com criticidade (MIGLIORIN e outros, 2016).
É importante destacar a ideia da exibição de curtas e filmes de produções nacionais já que estes são pouco divulgados, e às vezes se restringem a eventos e mostras de cinema. Ao trazer à tona o cinema nacional evidenciamos traços característicos de nossa cultura e podemos traçar paralelos com experiências vivenciadas de formas individuais ou coletivas pelo grupo.
Atualmente a apresentação de filmes nacionais nas escolas brasileiras já é uma política de obrigatoriedade por no mínimo, 2 (duas) horas mensais – conforme a lei nº 13.006, de 26 de junho de 20141. Pensando em nossas formações em pedagogia, exercer esse trabalho ainda que fora do ambiente formal de ensino, nos prepara para conhecer as dificuldades, possibilidades e desafios da regulamentação de políticas públicas envolvendo a cultura e a arte na interface com a educação.
Logo na primeira exibição2 recebemos muitas crianças. Havíamos separado alguns fragmentos do filme A invenção de Hugo Cabret (2012) de Martin Scorsese, do qual existem cenas que fazem referência ao nascimento do cinema, como imagens de Georges Méliès e a primeira exibição feita pelos irmãos Louis e Auguste Lumière e levamos algumas câmeras para eles terem um contato de forma livre. As crianças estavam muito entusiasmadas, mas poucas prestaram atenção aos fragmentos que exibimos. Em contrapartida, ao disponibilizarmos as câmeras ficaram muito eufóricos. Neste primeiro trabalho de filmagem conseguimos identificar alguns padrões audiovisuais de maior repetição nas crianças. No contato com as câmeras elas reproduziram quase que automaticamente o padrão de filmagem presente na televisão, onde uns eram apresentadores de seus programas e outros convidados.
Ao pensar nesse processo de reprodução, Fresquet (2013, p.100) no propõem a seguinte reflexão:
O que adquire estatuto de verdade para nossas crianças e adolescentes? Fundamentalmente, aquilo que aparece na TV, o que ganha mais likes se postado no Facebook, ou aquilo que é mais seguido no Twitter, por exemplo. Que uma criança ou adolescente filma quase de modo “sagrado” quando tem uma câmera na mão? Geralmente, algo que parece muito a alguns dos capítulos das novelas ou seriados para crianças e adolescentes de consumo diário. (Quase) inequivocamente. Isto é, frequentemente, as filmagens reproduzem retalhos da opacidade e da mesmice que nos traz cultura do consumo, produto da hegemonia do capital globalizado e legitimado nas mídias.
Por isso destacamos a importância da ampliação de repertório e experiências estéticas e de propostas de realização de imagens com exercícios de criação audiovisual que possam sensibilizar a percepção sobre o mundo e os acontecimentos. Alguns desses exercícios foram: minutos lumière3, fotografias com anteparos, registrar sons e imagens no bairro que nos afetam, registrar sombras e texturas como exercício de sensibilização do olhar, construção de objetos dos primórdios do cinema, como o taumatrópo4.
Em nossos encontros de cinema – educação entendemos a experiência estética como uma percepção e relação direta com os acontecimentos, numa etapa ainda pré-simbólica de sensações e afetações, que não tem a ver estritamente com linguagem (conceitual) que medeia e explica a realidade, nem com o tempo cronológico que ordena o cotidiano em uma narrativa linear. Todo gesto humano de conhecer e interagir é atravessado pelo sentimento e pela simbolização: temos por um lado uma apreensão direta da situação em que nos encontramos, sem necessariamente a intermediação da linguagem, e por outro o pensamento organiza o real com códigos e convenções compartilhados; isto é, o pensamento pensa o vivido, pensa o sentido (DUARTE JÚNIOR, 1988). O fazer artístico concerne a essa “etapa” primordial do agir humano, que expressa aberturas ilimitadas de ser, sentir, pensar o real – como o são as crianças.
Figura 1, 2 e 3: atividades com sombras, fotografando brincadeiras; atividades com anteparos.
4. Preparando a segunda viagem – Conhecendo o território Lar de Idosos
Como única instituição de longa permanência para idosos (ILPI) da cidade de Tiradentes, o Lar de Idosos Abrigo Tiradentes é concebida, desde sua fundação em 1954, como um espaço de assistência não apenas de idosos, mas também de pessoas, muitas vezes debilitadas física ou emocionalmente, e que necessitam de um espaço para viver e serem cuidadas. Relacionando ao texto “Instituições de longa permanência para idosos no Brasil: do que se está falando?”, do livro da Política Nacional do Idoso (2016), é possível considerar o Abrigo Tiradentes como uma instituição pública+mista, uma vez que mantém sua estrutura e atividades a partir de doações da comunidade, auxílio público e atividades que geram renda como a horta presente na instituição (CAMARANO, BARBOSA, 2016).
Abandono familiar. Dificuldades da família em conseguir um serviço de qualidade para os idosos dentro da própria casa. Idosos que moravam sozinhos e já se encontravam em perdas físicas e cognitivas. Estas são algumas consequências que favorecem a demanda pela institucionalização de longa permanência. Este processo de institucionalização, como nos mostra Foucault (2014), traz sérias implicações: diversas engrenagens, que visam ao
disciplinamento e à submissão, sendo colocados em marcha, de tal forma que as instituições se configuram em espaços dados, limitados – espaços contraditórios com temporalidades e histórias entrecruzadas.
A proposta de realizar uma etapa de nosso projeto junto aos idosos responde à confiança que temos na heterogeneidade de modos possíveis de ser, viver e experimentar esse período da vida, caracterizado por culturas e memórias próprias, mundos particulares, mas também diversos. Assim buscamos filmes que legitimem a pluralidade de velhices, em busca de experiências coletivas com as imagens, de encontros que nos aproxime de seus afetos, e contribua para a reinvenção de memórias e histórias.
As exibições fílmicas tiveram como referência metodológica a pedagogia da criação de Alain Bergala (2008), que considera que o importante na relação com o cinema é a vivência de uma iniciação às imagens que nos permita pensar junto com o cineasta os seus processos criativos, atualizando a capacidade de criação presente também em nós. Para isso, nem sempre é necessária a criação em si (o fazer um filme, por exemplo), mas a aprendizagem de um olhar para os “bastidores” da produção imagética, que tem o potencial de nos mostrar que a arte, como a vida, e a ciência, é sempre uma invenção. Uma invenção fruto de escolhas, caminhos e inspirações, que mobiliza especialmente nossa intuição e sensibilidade, potências que acreditamos estar presente em todas as idades.
5. Nossa segunda escala5 – O cinema no abrigo
É quarta-feira, 15 horas. Hora de pegar a estrada a caminho do Abrigo Tiradentes. Chegamos lá por volta de 15h30 e começamos a arrumar a grande sala, onde os moradores ficam. Vamos sempre em duplas ou trios, pois há muito o que fazer: montar o equipamento, retirar o aparelho de televisão do lugar para dar espaço para a projeção, colocar cortinas de TNT pretas para escurecer o ambiente, organizar as poltronas e sofás de quem está interessado em assistir ao filme, para ficar numa posição melhor, selecionar o filme, testar a caixa de som etc. Em meio a essa montagem e criação de uma ambiência para o cinema acontecer, damos atenção na medida do possível, para as perguntas e a contação de histórias que alguns dos moradores nos solicitam. Vamos lá! Vai começar o cinema!
Cientes de que entraríamos em um território desconhecido, nos apoiamos em algumas experiências anteriores para esta nova tarefa. Além da prática com projetos de cinema e educação com diferentes públicos e faixas etárias, foi desenvolvido há um ano um projeto de iniciação científica de Cinema e criação cinematográfica com idosos no Albergue Santo Antônio, em São João del – Rei (CASTRO, OMELCZUK, 2018). As experiências de cinema nesse ambiente, com todas as adaptações, flexibilidades e sensibilidades que o território asilar nos exige, contribuíram para que nos sentíssemos mais à vontade nas dependências do abrigo em Tiradentes.
Fomos percebendo, então, que filmes6 com poucos diálogos, sonoridades marcantes e imagens profundas despertavam mais interesse e concentração nos idosos. Por isso, ao longo do processo da pesquisa, tentávamos escolher essas estéticas de filmes de modo que os idosos experimentassem um processo a um só tempo sensível e significativo.
A ideia de exibir esses filmes específicos também foi pensada em uma possível reinvenção memorial. Uma vez que a transmissão destes poderia instigar a lembrança de eventos emocionalmente válidos para os abrigados, das fases passadas/presentes de suas vidas que de uma maneira ou outra teriam sido negligenciadas pelo processo de institucionalização em que vivem. Entendemos, portanto, que criar a possibilidade de uma sessão de cinema, estando com os idosos num “pre(s)-ente”, é coabitar junto um instante prévio, interrompido e indefinido que está por vir, que está sempre à espreita para existir e desaparecer, como é a própria vida; como são as imagens de um filme projetado sobre a parede, apoiados na potência do cinema em ampliar paisagens, gerar pensamentos, multiplicar sentidos.
11 Alguns dos principais filmes exibidos foram: A música Segundo Tom Jobim de Nelson Pereira dos Santos (2012); Cine Holliudy de Helder Gomes (2012); A tartaruga vermelha de Miakel Dudok (2016); Uma noite em 67 de Renato Terra e Ricardo Calil (2010); A velha a fiar de Humberto Mauro, (1964); D. Cristina perdeu a memória de Ana Luiza Azevedo, (2002); Glass de M. Night Shyamalan (2019); Mazzaropi de Celso Sabadin (2013);Malasartes vai à feira de Eduardo Goldenstein (2004); A menina espantalho de Cássio Pereira dos Santos (2008); Águas de Romanza de Glaucia Soares e Patrícia Baía (2002);A mula teimosa e o controle remoto de Hélio Villela (2010); Carreto de Cláudio Marques e Marília Hughes (2009); Caçadores de Saci de Sofia Federico (2005); O jogo do Geri (xadrez) de Jan Pinkava (1997); O jogo de xadrez (versão ficção) de Luís Antonio Pereira (2014); O Balão vermelho de Albert Lamorisse (1956); Ser Minas tão Gerais (2004).
Figura 4: Encontro de cinema com os idosos no abrigo
6. Reflexões finais: Revendo as anotações dos diários de bordo
Observamos que nosso contato com crianças nas ruas, nas calçadas, em suas próprias casas, com os idosos abrigados, nesses territórios outros, pouco conhecidos pelos professores em formação, ampliam nosso repertório de vida, já que somos “obrigados” a pesquisar sobre cinema, sobre seu processo de produção, sobre seu processo criativo para compartilhar com os outros.
No contato com crianças fora do ambiente escolar, dentro e fora do centro comunitário, nas ruas e calçadas do bairro, na relação com seus avós, primos, tios, amplia nosso repertório sobre a infância e sua relação com as imagens, os amigos, os vizinhos, e as brincadeiras.
No caso do abrigo, a rotina desse território contrasta com a rotina escolar. Ao darmos o braço para um idoso, compomos com ele um ritmo diferente do qual estamos acostumados, especialmente se pensamos no trabalho com crianças pequenas e nas demandas de produção e velocidade da vida escolar, campo privilegiado de atuação do pedagogo. Assim, nossos encontros de cinema com os idosos podem contribuir para uma postura perceptiva mais sensível aos modos como conduzimos os ritmos escolares, as demandas de produção e as equivalências entre verdade e realidade na construção do conhecimento.
Além disso, os encontros de cinema com os idosos têm nos feito pensar para além da educação, na própria vida, num processo de formação que escapa da tarefa pedagógica unidirecional, e nos ajuda a compreender o envelhecimento e a velhice como um processo e modo de pensamento não restrito a uma etapa cronológica da vida, mas um acontecimento que pode nos atravessar, transformar e afetar a qualquer tempo.
Assim, nossas viagens, ao São Dimas e ao Abrigo Tiradentes, oportunizaram deslocamentos não somente no plano físico, mas também existencial. Com elas experimentamos ser professores à deriva, abertos às novidades, perturbações e estranhamentos.
É nesse encontro com o desconhecido que o devir mestre (KASTRUP, 2005) se expressa, pois essas experiências nos intrigam, nos fazem pensar e nos provocam (re)invenções sobre como ser professor, sobre onde ser professor, sobre quem ensina e quem aprende. Assim, nossas viagens nos colocaram em movimento, revelando que não há uma única maneira ou um modelo a ser alcançado de ser professor, ele está em eterno processo de acontecimentos e criação de si que nos colocam em suspensão dos conceitos estabelecidos e nos leva a pensar em novas maneiras de pensar, sentir, agir e estar com os outros dentro e fora da escola, dentro e fora da universidade.
7. Referências
BARROS, M. De lava-pés a São Dimas: uma história conflituosa de apropriação das condições naturais. Disponível em: https://ninjaufsj.wordpress.com/2012/05/11/de-lava-pes-a-sao-dimas-uma-historia-conflituosa -de-apropriacao-das-condicoes-naturais/.
BERGALA, A. A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE- FE/UFRJ, 2008.
CAMARANO, Ana Amélia; BARBOSA, Pamela. Instituições de longa permanência para idosos no Brasil: Do que se está falando?. Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: Ipea, 2016. 615.p.:479-514.
DUARTE JÚNIOR, J. F. Fundamentos estéticos da Educação (5a ed.). Campinas, São Paulo: Papirus, 1988.
FERREIRA, Jacqueline ; OMELCZUK, Fernanda. Cinema e formação de Professores: poesia, invenção e delírios imagéticos no encontro intergeracional. Anais do Literatura na Escola – II. Ciclo de Debates GPEALE, p. 298- 306, 2018.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
FRESQUET, A. Cinema e Educação: reflexões e experiências com estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. 1˚edição, Rio de Janeiro: Autêntica,2013.
KASTRUP, Virgínia. Politicas Cognitivas na formação do professor e o problema do devir mestre. Revista Educação e Sociedade: Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1273-1288, Set./Dez.2005.
KOHAN, Walter Omar. O mestre inventor. Relatos de um viajante educador. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
KOHAN, Walter Omar. Um outro estranho estrangeiro: entre a pedagogia e a educação; entre a polícia e a política. In: Seminário Internacional “ As redes de conhecimento e a tecnologia”, 3, 2005. Rio de Janeiro: Laboratório Educação e Imagem/Uerj, 2005, p.1-10.
MARTÍ, José. Maestros Ambulantes. Revista La América, Nova York, 1884. Disponível em: <http://www.biblioteca.org.ar/libros/1139.pdf>. Acessado em: junho de 2015.
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
MIGLIORIN, Cézar (Org.) e outros. Cadernos do inventar: cinema, educação e direitos humanos. Niterói (RJ) EDG, 2016. RANCIÈRE, Jacques. O Mestre ignorante:cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte, Autêntica editora, 2005.
8. Notas
- A lei 13.006/2014 modificou o artigo 26 da Lei 9395/1996 acrescentando a seguinte redação: “A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais”. ↩︎
- Alguns dos principais filmes exibidos até agora foram: Príncipes e princesas de Michel Ocelot (2000); A rua é pública de Anderson Lima (2013); Zaga de bonecas de Anderson Lima (2013); Disque Quilomba de David Reeks (2012); Josué e o pé de macaxeira de Diogo Pereira Viegas (2009); Minhocas de Paolo Conti (2006); Crack de Frédéric Back (1981);Menino da gamboa de Pedro Perazzo, Rodrigo Luna (2014);Couro de gato de Joaquim Pedro de Andrade (1960); Corrida de automóveis de Henry Lehrman (1914); Animando de Marcos Magalhães (1983); Coroinha de São João del Rei; Câmera de João de Tothi Cardoso (2017); A Língua das coisas de Alan Minas (2009); Território do brincar de Renata Meirelles (2015); En el espejo del cielo de Carlos Salces (1998); Caminho das lanternas de Fernanda Omelczuk (2016); A garrafa do diabo de Fernando Coimbra (2009); A menina do mar de Mauro D`Addio (2010); A mula teimosa e o controle remoto de Hélio Villela Nunes (2010); A peste da Janice de Rafael Figueiredo (2017); A sombra de Sofia de Flavia Thompso (2011); A Velha a fiar de Humberto Mauro (1964); As coisas que moram nas coisas de Bel Bechara e Sandro Serpa (2006); Caçadores de Saci de Sofia Federico (2006). ↩︎
- Exercício iniciático de criação cinematográfica realizado em diferentes projetos de cinema educação no Brasil. Mais informações em: cinead.org e http://www.inventarcomadiferenca.org/wpcontent/uploads/2017/05/Cadernos_do_Inventar_com_Diferenca.pdf ↩︎
- Trata-se de um brinquedo óptico com dois desenhos (uma gaiola e um pássaro, por exemplo), um colado atrás do outro, e que ao serem girados por um barbante ou palito, complementam-se criando a ilusão de movimento. Para ver diferente modelos de taumatrópos:
https://www.google.com/search?q=taumatropo&client=firefox-bd&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahU KEwiG8PDA14rkAhWiJ7kGHaS4CW0Q_AUIESgB&biw=1269&bih=683 ↩︎ - As “viagens” ao Lar de idosos Abrigo Tiradentes foram interrompidas no final do ano passado. ↩︎
- Alguns dos principais filmes exibidos foram: A música Segundo Tom Jobim de Nelson Pereira dos Santos (2012); Cine Holliudy de Helder Gomes (2012); A tartaruga vermelha de Miakel Dudok (2016); Uma noite em 67 de Renato Terra e Ricardo Calil (2010); A velha a fiar de Humberto Mauro, (1964); D. Cristina perdeu a memória de Ana Luiza Azevedo, (2002); Glass de M. Night Shyamalan (2019); Mazzaropi de Celso Sabadin (2013);Malasartes vai à feira de Eduardo Goldenstein (2004); A menina espantalho de Cássio Pereira dos Santos (2008); Águas de Romanza de Glaucia Soares e Patrícia Baía (2002);A mula teimosa e o controle remoto de Hélio Villela (2010); Carreto de Cláudio Marques e Marília Hughes (2009); Caçadores de Saci de Sofia Federico (2005); O jogo do Geri (xadrez) de Jan Pinkava (1997); O jogo de xadrez (versão ficção) de Luís Antonio Pereira (2014); O Balão vermelho de Albert Lamorisse (1956); Ser Minas tão Gerais (2004). ↩︎