Um relato de experiência
1. Introdução
A utilização do audiovisual como recurso didático nas minhas aulas de Artes Visuais era um desejo antigo. Entretanto, não sabia como fazer. Quando, em 2017, fiz o curso de Cinema Educação para Professores da Rede Pública de Ensino, oferecido gratuitamente pela Universidade Federal Fluminense (UFF), novas perspectivas se abriram para a minha metodologia de trabalho em sala de aula.
O celular com câmera é uma realidade em algumas escolas da educação básica. Então, por que não utilizar este recurso tecnológico para produção de vídeos? Para Pereira (2012, apud Dalpont, 2017), produzir vídeos é um modo do aluno expressar-se, mostrar sua cultura e sua individualidade.
Roquette Pinto, já na década de 1930, defendia o uso do cinema na educação. Em 2014, a lei nº 13006 obrigava a exibição de filmes nacionais nas escolas (DALPONT, 2017).
Hoje, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece, como habilidades, “analisar como as Artes Visuais se integram às linguagens audiovisuais (cinema, animação, vídeos, etc)” e propõe a “identificação e manipulação de diferentes tecnologias e recursos digitais para acessar, apreciar, produzir, registrar e compartilhar práticas e repertórios artísticos de modo reflexivo, ético e responsável”, buscando desenvolver uma maior autonomia no aluno durante as práticas vivenciadas.
2. Desenvolvimento
Em 2018, foi implantado no município de Itaboraí o sistema de Aceleração. Dados de 2017 apontavam o quantitativo de estudantes com distorção ano de escolaridade/idade, nas unidades escolares. Na Escola Municipal Antonio Joaquim da Silva – onde leciono – haviam 112 alunos do Ensino Fundamental II com essa defasagem naquele ano.
Segundo a Secretaria de Educação do município, os dados justificavam a nova organização pedagógica que tinha o objetivo de proporcionar outras alternativas, outros jeitos de fazer escola aos estudantes que se encontravam em distorção ano de escolaridade/idade, e desse modo reduzir o índice de defasagem na rede pública de ensino do município.
Dessa forma, a Secretaria Municipal de Educação elaborou um Referencial Curricular para a Classe de Aceleração, que seria o documento que orientaria os docentes na elaboração de seus projetos de trabalho. Um dos objetivos listados no referido documento era “desenvolver uma proposta pedagógica que estimulasse a aprendizagem significativa, atendendo às especificidades do corpo discente em distorção ano de escolaridade/idade”, além de desenvolver estratégias pedagógicas que potencializassem a autoestima dos estudantes da Aceleração.
Assim, aceitei o desafio de desenvolver um projeto numa turma de Aceleração com defasagem de idade-escolaridade, contendo adolescentes entre 15 e 18 anos de idade. Para isso, utilizei como estratégia pedagógica, ao longo de um trimestre, o desenvolvimento de vídeo de animação em Stop Motion, com os alunos participando de todas as etapas desse processo.
3. Metodologia
Inicialmente, foram apresentados aos alunos alguns vídeos de animação. Após a apresentação, fizemos um debate em sala de aula sobre os vídeos apresentados, onde os alunos tiveram a oportunidade de expressar suas observações, gostos e preferências. Em seguida, a turma foi dividida em grupos de até 4 alunos, pois a turma não era muito grande.
Na aula seguinte, os grupos desenvolveram o texto para a animação, com temática livre. Estimulei os alunos a pensarem também nos personagens e na cenografia, especialmente na sua confecção.
A partir do texto criado na aula anterior, apresentei dois vídeos tutoriais, selecionados na internet, de como elaborar um “storyboard”. O “storyboard” é de fundamental importância para que o grupo visualize a direção da animação. Os grupos desenvolveram então, a partir do texto, o seu próprio “storyboard” das cenas.
Desenvolvi em sala de aula com os alunos a criação de um suporte para celular feito com garrafas pet. Esse “tripé” seria utilizado por eles para a filmagem das cenas. No entanto, durante as filmagens, alguns grupos optaram por utilizar o tripé vendido em lojas.
Na aula seguinte, cada grupo trouxe os materiais para a confecção dos personagens e da cenografia. Alguns grupos preferiram utilizar massa de modelar com estrutura de arame para confeccionar os personagens. Outros preferiram fazer desenho no papel sulfite e depois recortar e colar sobre papelão. Neste último caso, para dar a estabilidade ao personagem, utilizaram isopor como base e palito de churrasco no verso do papelão.
Figura 1 – Alunos desenhando o cenário
Fonte: A autora (2019)
Para o cenário da animação, cada grupo recebeu da escola uma cartolina branca. A cartolina foi dobrada ao meio e colocada em ângulo de 90 graus, em que uma metade estaria apoiada na carteira e referia-se ao “chão” da animação. A outra metade seria fixada na parede da sala e era o cenário de fundo. Toda cartolina foi desenhada e pintada pelos alunos, utilizando lápis de cor, tinta guache e pincel (figura 1). Alguns utilizaram algodão para criar as nuvens da cena. Um grupo utilizou fio de nylon para fazer o personagem “voar” na animação.
Figura 2 – Alunos fazendo a filmagem
Fonte: A autora (2019)
No dia da filmagem, cada grupo fez o “download” do aplicativo Stop Motion Studio. Foi escolhido esse aplicativo por ser intuitivo, simples de usar e atender bem ao propósito da aula (figura 2).
A filmagem pareceu ser a parte mais difícil para os alunos. Levaram cerca de 2 tempos de aula (110 minutos) para a filmagem. Os problemas mais comuns foram: a mão de algum aluno aparecendo na filmagem enquanto movia o personagem na cena, e a alteração da posição do tripé durante a filmagem, comprometendo toda a animação já iniciada.
A edição foi feita parcialmente na escola com o próprio aplicativo Stop Motion Studio. Alguns grupos fizeram a edição em casa, adicionando vozes aos personagens e efeitos sonoros, como o trovão. Na edição foram incluídos o título, nomes dos integrantes, os créditos e os sons.
Na aula seguinte, fizemos as apresentações das animações para toda a turma. O resultado de um dos trabalhos pode ser conferido no link: https://www.youtube.com/watch?v=-j-NdOHOZ8w
Como critério de avaliação dos grupos, utilizei a avaliação em etapas ao longo do trimestre: 1) avaliação da produção do roteiro da animação; 2) avaliação da confecção dos personagens e cenário; e 3) avaliação da produção final da animação.
3. 1. Dificuldades encontradas
Encontrei algumas dificuldades ao adotar o audiovisual como recurso didático em sala de aula. A primeira delas refere-se ao espaço da escola onde se encontrava a televisão e o DVD. O auditório era o espaço destinado às apresentações dos vídeos e, por questões de segurança, ficava trancado. Em uma ocasião, não se encontrava a chave do auditório, comprometendo uma parte do horário da aula.
Por ser o único espaço com os recursos necessários, para se utilizar o auditório havia a necessidade de agendamento prévio. Certa vez, ocorreu o agendamento de outra professora no mesmo horário da minha aula.
A internet foi outro fator desafiante. Os alunos utilizaram a própria internet e não a da escola, uma vez que, além de muito lenta, não estava disponível para uso dos alunos.
Além dessas dificuldades, alguns alunos, ao longo do trimestre, estranharam e me questionaram se não haveria “matéria” a ser copiada no caderno, evidenciando o hábito da escola tradicional.
4. Considerações finais
O audiovisual mostrou-se um excelente recurso didático para trabalhar em sala de aula, especialmente em uma classe com distorção ano de escolaridade/idade. Observou-se o envolvimento dos alunos em todas as etapas da elaboração do vídeo de animação.
Com o recurso do vídeo de animação em Stop Motion, foram trabalhadas diversas linguagens – desenho, pintura, recorte e colagem, modelagem, cenografia, música, conceitos de cinema (câmera, enquadramento etc) – utilizando recursos tecnológicos (celular e aplicativo), atendendo ao estabelecido na BNCC.
Apesar das dificuldades encontradas – auditório sem chave, internet indisponível para os alunos – e a estranheza inicial de alguns com relação a copiar matéria no caderno, conseguimos superar esses desafios e desenvolver um trabalho ao final do trimestre, com a apresentação dos vídeos de animação produzidos pelos alunos.
5. Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, 2018.
DALPONT, Vania. Roquete Pinto e a produção de video estudantil. Artigo. Revista Roquette-Pinto. Março, 2017. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/roquettepinto/2017/03/24/roquette-pinto-e-producao-de-video-estudantil/. Acesso em 28 de junho de 2021.