1. Introdução 

A produção de vídeo estudantil é realizada quando professores, mesmo sem capacitação técnica, iniciam a produção de vídeo com seus alunos. Vale lembrar que produzir um vídeo é da área do Cinema e tem relação com a tecnologia, com a narrativa e a poética que o diretor e equipe desejam imprimir no filme. Sendo assim, podemos ver que não é qualquer professor que sabe realizar essa ação com seus alunos, pelo menos o básico para poder realizar a parte técnica. Outros professores que já se aventuram na área da tecnologia aproveitam o seu conhecimento técnico e já vislumbram a narrativa do filme e o seu papel educacional.

 Essa é uma das ações que a academia deveria ensinar no dia a dia dos estudantes, futuros professores, mas a mesma academia fica de costas para a produção de vídeo estudantil, ainda que a mesma seja uma realidade dentro do espaço escolar. Temos professores se aventurando neste vídeo e ao mesmo tempo debatendo para que essa ação seja pedagógica. Para os alunos, a tecnologia é uma ação normal do seu dia a dia. Para muitos jovens, a tecnologia é de suma importância. Ela serve para troca de conhecimento e construção da identidade. Para Babin e Kouloundijian, a escola de ontem era

Construída em torno das salas de aula e de estudo. A escola da civilização audiovisual eletrônica poderia ser constituída em torno das bibliotecas midiáticas. Memória do passado e radar das grandes correntes de hoje, pelo menos tais como podem ser filtrados em gestos formais, receitas e documentários audiovisuais (Babin e Kouloundijian, 1989, p.165).

Vivemos um momento de mudança e a escola se organiza experimentando ações pedagógicas diferenciadas. Sendo assim, até o erro ocorrido na escola passa a ser um processo educacional, isso quando a escola permite errar. 

Temos uma cultura antierro que afasta o aluno da experiência onde só é valorizado o que é academicamente certo, o que impede o aluno de propor hipóteses e testar a sua ideia, já que o professor passa o que é o correto, o que já foi experimentado e aceito. E só resta ao aluno repetir o que foi ensinado, sem criar, sem utilizar o hemisfério direito do cérebro. E como o aluno pode crescer sem a experiência do erro? Criamos um processo educacional esquizofrênico, já que o professor passa uma coisa que ele não experimentou que apenas decorou e ganhou títulos e repete o enfadonho para a nova geração. (Pereira e Janhke, 2012, p.45)

Aqui, iremos apresentar um estudo de caso ocorrido na cidade do Rio de Janeiro no ano de 2019. A professora responsável realizou todas as ações que normalmente realiza em uma produção de vídeo estudantil. Como nos ensinou Freire (2015), é na reflexão crítica de sua própria prática educativa que o docente sente a exigência da relação embrionária entre a teoria e a prática, sem a qual a teoria irá virando apenas palavras, e a prática, ativismo. Foi o que tentamos realizar no curta Bullying.

2. Caso do curta “Bullying” 

Em relação ao curta “Bullying”, passamos pelo mesmo processo de criação. Reunimos o grupo e subdividimos para que cada grupo criasse uma história. A maioria dos alunos criaram histórias sobre bullying e, a partir daí, fizeram um recorte para um apanhado das melhores partes de cada. Esse processo é importante para que alunos troquem ideias e possam realizar debates sobre suas ideias. 

Como estávamos na época da Feira de Ciências, um aluno sugeriu que montassem uma barraca para falar sobre esse assunto. Os estudantes começaram a pesquisar, montaram os cartazes e uma urna onde eles recolheram respostas de toda a escola. Essas perguntas eram:

1- Você já sofreu bullying

2- Você já fez bullying?

3- Você já viu alguém fazendo e sofrendo bullying?

4- Você já protegeu alguém contra o bullying

5- Você já esteve junto com alguém que fazia bullying?

Perto dessa barraca estava a equipe que entrevistava os alunos (entrevista essa utilizada na confecção do curta) com suas opiniões e pontos de vista. A partir desse material coletado, os alunos organizaram as respostas e levaram para a própria turma, e depois para outras turmas, a discussão sobre bullying.

De posse desse saber construído, os alunos começaram o processo de montar as cenas e a gravar. O roteiro que surgiu teve várias alterações, pois abordava cenas extremamente violentas. Como professora, eu explicava que não podíamos reforçar a violência, porém os alunos rebatiam com a fala de que o certo é mostrar a verdade. E iniciamos o debate sobre o que é a verdade? sempre um ponto de vista de quem a profere.

Figura 1


Figura 3

Figura 2


Figura 4

Diante deste impasse, visto que estabeleço, no começo do curso, que a curadoria seria dos alunos, e que eu estaria lá para auxiliá-los e possibilitar a execução do curta, resolvi deixar por conta deles, confiando nos alunos. A solução encontrada foi a de fazer uma cena com violência e a outra com o grupo que fez a violência atuando de forma positiva.

Todo o processo foi feito pelos alunos, sempre me aproximava e dava uma olhada, revisando os textos a serem escritos. Os alunos usavam o computador da escola e tudo que gravaram estava lá. Esse mesmo computador era utilizado por outras pessoas da comunidade escolar, então houve um problema de vírus que fez com que as cenas se perdessem não dando, dessa forma, a possibilidade de corrigir a palavra “através” que saiu escrita de forma errada (“atravez”) em uma delas. Como acreditamos que o vídeo vale pelo processo e não pelo produto final como informa Pereira e Janhke (2012) preferimos deixar o erro e assumir o mesmo. 

Figura 5 – cena do filme com o erro ortográfico

Com algumas cenas apagadas os alunos se propuseram a refazer a cena, mas por conta do tempo não foi possível, ficando com a palavra escrita de forma incorreta. Depois de finalizado o processo, o vídeo circulou na escola e um professor ficou alarmado com o erro apresentado na grafia da palavra. Na exibição do vídeo na escola um professor da escola levantou a questão de ser “vergonhoso” um trabalho feito no espaço da escola estar com o português incorreto, mas insisti para que fosse exibido o curta no auditório, valorizando o esforço dos alunos e o importante é que eles aprenderam e viram o erro.  Coloquei o vídeo dos alunos no meu canal pessoal. Afinal, o trabalho não se resumia só no curta e sim em todo o processo de construção ali aplicado. 

A vantagem de se produzir vídeo é justamente essa, ele é um produto que aceita a autoria de um coletivo, incentivando a necessidade de compartilhar sentidos, e também pode contribuir para a exploração da linguagem escrita durante todo o processo, principalmente o de pré-produção. Nosso foco não é no vídeo como produto final, mas no processo que o aluno leva para realizar a obra audiovisual. (Pereira e Janhke 2012, p.33). 

Como professora, fui convidada para fazer uma oficina de cinco horas com duas turmas do Projeto Carioca em outra escola municipal, a da Vila Cruzeiro, no complexo da Penha, pelo Coordenador Wander Pinto. Desenvolvi a oficina, passei os curtas (inclusive esse do Bullying) e falei que a palavra estava escrita errada, fato que muitos nem notaram, pois o espectador está preocupado com a narrativa e não com os erros do curta como informa Pereira e Dal Pont (2016). 

O que me deixou surpresa foi que alguns dias depois, na escola onde trabalho, três alunos se dirigiram a mim para dizer que seus vizinhos tinham visto eles atuando no filme e que, como havia disponibilizado no canal, quase todo mundo que eles conheciam também haviam assistido e comentado com eles. Dessa forma, eles se sentiram famosos e puderam falar sobre como fizeram o curta.

Já apresentei o curta em várias salas de cinema e em festivais que a escola participa, mas nunca tinha percebido que o espaço onde essa voz do protagonismo dos estudantes deve também ressoar é na comunidade e espaço onde ele vive. Isso confere a ele o papel de agente transformador da realidade que temos para a realidade que queremos. Alunos ativos, alunos debatendo com seus pares o seu ponto de vista sobre o mundo que está a sua frente. 

Também vale lembrar que esse tema, Bullying, foi debatido em todas as 14 turmas da escola antes da confecção do curta. Esse debate e troca faz que o curta seja de todos e que os alunos tenham em mente a sua responsabilidade quando concretiza a ideia do curta, um significado mental em algo concreto, um signo significante. E neste trajeto entre a ideia concebida e a sua realização sempre existem distorções e debates até a criação física do signo. Neste momento o professor trabalha o currículo oculto com os alunos.  

O Centro de Estudos da escola é muito dinâmico e sempre ligado com as ações dos alunos e suas necessidades. Referendando assim o sucesso do trabalho desenvolvido pelos alunos, aproveitei para explicar para toda a comunidade escolar a importância e o benefício a longo prazo de se trabalhar em prol de se mudar o pensamento sobre como víamos no passado as coisas e como realmente elas são (hoje, com todos os estudos sobre as brincadeiras de mau gosto como os apelidos e seu perigo). Reforçando, assim, a postura da direção e coordenação do combate a qualquer tipo de discriminação ou brincadeiras de mau gosto. 

Lembro da equipe que ficou à frente do trabalho de realização do curta questionando a fala de alguns professores de que isso tudo era uma grande bobagem, pois segundo estes professores na sua época, eles também tinham apelidos e apelidavam e “ninguém morria por isso”, mas com certeza gerou traumas e inseguranças, além de magoar o apelidado, retrucaram os alunos defendendo o fim do bullying. Esse debate social foi rico para alunos e professores. 

Em um dia de Centro de Estudos (CE coletivo que acontece de dois em dois meses) pedi a palavra e fiz algumas colocações a respeito da fala de alguns professores. Tive apoio da maioria dos que estavam lá, mas percebi que os mesmos que desmereceram o tema ficaram reflexivos a partir das colocações que fiz:

– Que na época deles isso não era estudado como um problema.

– Que as pessoas sofriam em silêncio. Até riam de si mesmas como defesa.

– Que nem todo mundo é brindado com autoestima.

– Que a dor do outro tem que ser, no mínimo, respeitada. 

– Que hoje sabemos que a concorrência entre sermos e termos é algo assustador, provocando conflitos na juventude.

– Que antes de propor o trabalho eu havia lido textos e conversado com uma psicóloga.

 Que se o tema não tivesse realmente relevância, não teria tido a adesão da escola toda.

Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se ensina e se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. (FREIRE. 2011, p. 30).

3. Considerações Finais – Mesmo Debate em Outra Escola 

Quando utilizei o curta na escola Municipal Bernardo de Vasconcellos, no Morro do Cruzeiro, onde fui dar uma oficina, montei o mesmo processo: classificar os tipos de Bullying existentes como o físico, verbal, escrito, material, cyberbullying, moral, social e psicológico; e, após a aula expositiva, distribuí aos alunos um cartão que continha essas formas de bullying com as perguntas que responderam anonimamente.

– Já sofri

– Já participei

– Já fiz

– Não fiz nada para ajudar a vítima quando vi

– Fiz algo para ajudar a vítima quando vi

No final o grupo contabilizou os dados e montamos um gráfico que ficou exposto na parede da sala. A partir dos dados, debatemos a importância de termos, uns com os outros, uma rede de proteção, evitando assim “que os sem noção ataquem os mais fracos”; de acordo com uma estudante, o grupo poderia agir em sua proteção. Ouvi várias histórias e percebi vários olhares de arrependimento de uns e de tristezas de outros.

Passei para a etapa de exibir o Curta dos alunos da Escola Municipal Grécia, sobre o mesmo tema. Expliquei que haviam sido os alunos que tinham feito o processo do começo ao fim e sugeri que eles se organizassem, junto com o professor da turma, e explorassem o universo do audiovisual para promover uma conscientização do perigo dessa prática. Os alunos gostaram da ideia de usar o audiovisual para explicar, denunciar ações que eles vivem e nem sempre os pais têm noção do que está acontecendo. 

Para concluir, usei uma dinâmica: peguei um pacote de jujuba embrulhada em um papel de presente e falei “Estou dando esse presente para o Gustavo, pois assim que entrei na sala visualizei que ele iria perturbar a palestra e por isso quero me desculpar”. Ao receber, disse para Gustavo que ele deveria entregar o presente para alguém da turma que ele não foi muito legal, como uma forma de se desculpar. Assim, o pacote foi rodando até chegar em uma aluna que havia sido colocada para fora da sala no dia anterior por ter enfrentado o professor que ali estava acompanhando a palestra. O professor recebeu o pacote e abraçou a aluna. Foi um momento emocionante que eu só soube porque eles se retrataram no momento.

Com o pacote nas mãos do professor, pedi para que ele dividisse o conteúdo dele e foi a maior felicidade porque quem não gosta de jujuba?

Nesse ano de 2020 tinha vários planos, mas não foi possível executá-los, infelizmente, por conta da pandemia do Covid-19. Mas estamos com as ideias ainda em movimento se reinventando ou sendo realistas tentando usar o vídeo de forma que o aluno pense e repense a sua realidade, pois o vídeo é um elemento técnico, artístico e poético, mas ele não educa, quem educa somos nós professores que podemos usar essa tecnologia como um didática. Com fé e muita esperança, espero que em breve possamos dar continuidade ao trabalho, iniciado com um tema de tanta relevância quanto esse.

Acreditamos que a escola é um espaço privilegiado para se debater questões sociais, já que estes alunos serão o futuro deste país que chamamos de Brasil. Finalizamos com o nosso mestre Freire 

“Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2011, p.96)

4. Referências

BABIN, Pierre; KOULOUMDJIAN, Marrie F. Os novos modos de compreender: a geração do audiovisual e do computador. São Paulo: Paulinas, 1989.

BULLYING, Curta. 6 min. Rio de Janeiro: 2019 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=9puvmP_umZY>.

PEREIRA, Josias; JANHKE, Giovana. A produção de vídeo nas escolas: educar com prazer. Pelotas: UFPel, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 44. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011.

PEREIRA, J.  Dal Pont, Vânia. Como Fazer Vídeo Estudantil na Prática da Sala de Aula. Pelotas. Erdfilmes, 2018

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