O ano é 2022. A impermanência se torna constante, o mundo nos exige mudança. Mudança nas estruturas, nos detalhes, nos conceitos, nas formas de fazer. O trajeto extenso e pavimentado – aparentemente sólido – ruiu. Não seguiremos por ele. Ao deixarmos a vista embaçar levemente, perdemos o foco – unitário e seletivo – e conseguimos olhar em volta. Com a visão ampla, percebemos outros tantos trajetos possíveis: caminhos abertos na mata – feitos a mão; estradinhas de terra onde a vista é mais bonita; pegadas incertas deixadas na areia. Caminhos marcados pelo caminhar; por quem erra, vagueia e descobre. É por aí que seguimos.

A segunda edição da Trajeto Errático – felizmente – apresenta mais perguntas do que respostas. Ao percorrer suas páginas, encontramos um espaço amplo, dialógico – pelo qual os textos circulam e relacionam-se uns com os outros. Cada autor traz nas palavras suas experiências e percepções – organizando as ideias de forma singular e par tilhando encontros possíveis entre o audiovisual e a educação.

Hoje, ouvimos falar e falamos sobre educação audiovisual com mais naturalidade. O campo já não é tão novo, apresenta certa estruturação. No país, temos duas licenciaturas que preparam educadores audiovisuais e alguns tantos cursos de formação sendo oferecidos a qualquer pessoa interessada no assunto. Aos poucos, o termo vai ganhando seu espaço – ocupando escolas, ruas e encontros. No entanto, percebo que o conceito permanece aberto: guarda o frescor do não-saber; da descoberta. Tem sido utilizado com mais frequência, sim – mas de formas diferentes. Muito cabe dentro das mesmas duas palavrinhas. Assim, aqui, não estamos à serviço de uma definição coerente e unitária do termo. Buscamos, no enlace entre uma escrita e outra, tecer – juntes – esse mosaico de experiências e descobertas que recebe o nome de educação audiovisual.

Não posso deixar de notar, entretanto, que em meio a pluralidade algo comum é proposto. Uma mesma palavra ressoa – ora com força, ora com leveza – em todos os textos: coletivo. Nas experiências partilhadas, a figura do grupo ganha destaque. O que se faz, é feito junto. Como frase inaugural do primeiro texto, por exemplo, temos “Simplesmente Irani é uma produção desenvolvida a oito mãos”. A primeira coisa a ser dita é a enunciação da coletividade – desviando o foco de um; abrindo espaço para muitos. Em meio a relatos, provocações e questionamentos, o nós se torna protagonista. Seria essa
uma pista?

Sem conclusões precipitadas, por favor – digo a mim mesma. Mantenhamos o conceito aberto. Talvez – só talvez – as educações audiovisuais nos apresentem uma sabedoria importante; um fio condutor escondido por trás de práticas aparentemente tão variadas. Tal sabedoria tem a ver com estar junto sob uma mesma proposta; partilhar uma experiência – e nomear essa partilha de educação. No entanto, ao mesmo tempo em que o coletivo é evidenciado, a enunciação subjetiva e pessoal também é. Para a minha surpresa, um movimento não parece ameaçar o outro. Narrar a si, ou inscrever-se – como propõe um dos autores1 – acontece a um, ao acontecer a nós. Será essa mais uma pista?

Nos textos que sucedem esse prefácio, veremos educação audiovisual sendo feita por crianças, adultos e adolescentes – transbordando os limites da escola e fazendo do mundo espaço de aprendizagem. As definições, já muito bem demarcadas, atenuam-se: quem ensina e quem aprende? Onde a experiência termina? À Trajeto Errático cabe abrir espaço. Fazer-se estrutura maleável. Acolher o presente – e a memória – da educação audiovisual brasileira, em todas as suas expressões. Ressignificando, pouco a pouco, o que entendemos por revista e publicação, colaborando para a abertura das palavras.

Seguimos, por fim, em mais uma edição errática, delineando o trajeto aos poucos. Que possamos permanecer abertas e curiosas. Que as experiências partilhadas aqui possam ser lembradas – e transformadas. Que a educação audiovisual – em sua ambivalência e ousadia – fuja do controle; em constante questionamento e reinvenção. Que, errantes, possamos abrir caminho.

Boa leitura!
Tatiana del Gadelha.

  1. Aqui, me refiro ao autor de Entre grades e garranchos: cinema, socioeducação e identidade. ↩︎


em memória de

Lindinalvo Natividade

Lindinalvo Natividade, carinhosamente conhecido como Mestre Lindi, sempre iniciava seus cumprimentos falando: “Bom dia, meu quilombo!”. Morador de Barra Mansa, costumava dizer que possuía algumas vidas: a profissional, a acadêmica, e a espiritual. E, como bom capoeirista, era todo protegido por Oyá, sempre carre- gando um sorriso erê. O professor de educação física, capoeirista e doutorando faleceu em 2021 vitimado pela Covid-19. Este capoeira, engajado na luta por uma edu- cação antirracista, deixou a roda mais cedo. Um mestre guerreiro que, tão jovem, ancestralizou!

Deixe um comentário